sábado, 14 de abril de 2007

O verdadeiro desporto nacional

Desengane-se quem pensou que eu vinha hoje escrever sobre futebol. Não que não queira, ou não consiga, mas simplesmente porque descobri qual é, verdadeiramente, o desporto de eleição dos/as portugueses/as: falar de alguém.
Toda a gente tem uma opinião sobre toda a gente. Seja boa, seja má, seja principalmente má. Mas toda a gente tem uma apreciação a fazer sobre a vida de alguém, seja-lhe essa pessoa próxima ou desconhecida, seja essa pessoa a nossa vizinha do lado, alguém que só conhecemos das capas das revistas, ou alguém que dirige os destinos políticos nacionais.
É assim, neste país: temos sempre um juízo a fazer sobre o Outro, principalmente quando o Outro nos parece estranho, quando aquilo que o Outro faz/diz/pensa "abana" os alicerces da nossa existência "razoavelzinha". O humor é uma forma de lidarmos com a diferença (quem nunca deu por si a rir nervosamente perante alguma situação mais atemorizante?), tal como o criticismo. Porque, enquanto colocamos os/as outros/as em cheque, não estamos nós na berlinda. Enquanto ridicularizamos os/as outros/as, não damos espaço para a exposição dos nossos próprios podres.

Eu sei o que pensam de mim. Sei que, porque me visto "assim" ou uso o cabelo "assado", algumas pessoas simplesmente partem do pressuposto que vivo numa casa cheia de lixo até ao tecto, durmo num colchão atirado para um canto, ou sobrevivo à base de hamburguers e pizzas. Olham para mim, e simplesmente não me conseguem ver de joelhos no chão a lavar uma sanita, ou a aquecer a barriga no fogão durante duas horas para fazer algum prato mais elaborado, ou simplesmente a deitar-me de noite a pensar no que é que hei-de fazer amanhã para o almoço ou o jantar. Não imaginam que posso ter uma vida perfeitamente banal, com a qual qualquer mulher da minha idade se poderia sentir absolutamente entediada, e sentir-me feliz por isso. Que, lá porque sou estudante e vivo com o meu namorado sem estar casada com ele, a minha vida não é uma sucessão de bebedeiras, ganzas, noitadas e rambóia, sem espaço para o sucesso académico e para a construção das bases de um futuro profissional.
Não preciso que tenham pena de mim. Gostava apenas que as pessoas se esforçassem para ver um pouco além do "embrulho", porque é isso que eu também tento fazer todos os dias. Luto interiormente, contra os meus próprios preconceitos, para ir para além do primeiro olhar, do estereótipo, do cliché, do "ai coitadinha, deve ser mãe solteira" ou do "assim tão espalhafatoso, só pode ser bicha". Dói, e só nos apercebemos disso quando estamos "na montra", a ser observados/as e comentados/as.
Aos 19 anos, eu fiz uma opção de vida. Escolhi um caminho. Fiz aquilo que muita gente tem medo de sequer pensar em fazer, e que a maior parte dos/as jovens da minha geração não fará antes dos trinta. Fechei os olhos, respirei fundo, e fui em frente. Tive medo, chorei muito, muitas vezes tive vontade de desistir, mas segui sempre em frente, porque acreditei sempre (e continuo a acreditar) que fiz a opção certa, e que sofrer fazia parte de ser feliz. E fi-lo por amor. Não porque me obrigaram, não porque me aconselharam, não porque era o que "devia fazer". Fi-lo porque quis. E quem segue o seu coração, se não merecer mais nada, merece respeito.
Eu respeito quem o fez e quem o faz todos os dias, principalmente quando a vida nos encurrala e nos obriga a escolher. Porque um dia, quando isto tudo chegar ao fim, algumas pessoas poderão dizer de quem parte: "Foi honrado/a, nunca passou nenhuma vergonha". Mas as suas vidas terão sido vazias, vazias de risos, de lágrimas, de afectos, de aventuras, de descobertas, de beijos sinceros, de abraços doídos de saudade. Eu prefiro que digam de mim: "Foi feliz".