quinta-feira, 22 de maio de 2008

Smile like you mean it

Como se guardasses um segredo. Como se tivesses coragem de olhar para além daquilo que vês. Como se soubesses coisas que ainda não podem ser, não agora.
Aquece-me as mãos. Aperta-as nas tuas, com força, como se quisesses parar o tempo com os dedos entretecidos. Como se te desligasses, e pudesses ser vácuo. Como se deixasses de ter um rosto, uma identidade, como se pudesses arrancar todas as folhas escritas e começar o livro de novo. Como se fossemos livres.
Um som que só tu podes ouvir. Uma língua inventada por nós. O silêncio. Respirar fundo, fechar os olhos e deixar que todas as perguntas ardam no lume lento da vida a acontecer. Consegues sentir? O futuro, e nós sentados na areia molhada a sorrir por causa daquelas ondas minúsculas a fazerem-nos cócegas nos pés. O sal a secar na pele e a deixar-nos riscos brancos que se desfazem em pó quando me abraças. Como se fossemos leves.
Como se aquilo que dizemos não tivesse peso, não apagasse a faísca dos nossos olhares a cruzarem-se sem querer e a recitarem tratados sobre o amor em milésimos de segundo.
Como se acordasses a meio da noite para ver se ainda respiro, se ainda sou tua, e me pousasses a mão sobre o peito, suave. Como se quisesses morder a minha gargalhada desbragada, soluçada. Como se respirasses devagar na curva do meu pescoço.
Como se apagássemos a luz e o quarto se tornasse infinito, do tamanho do mundo, do tamanho do tempo. Como se pudéssemos desfocar a lente com que olhamos a vida, até só haver lugar para o estranho, o diferente, o impossível.
Como se me desses um sorriso dos teus. Daqueles, tu sabes.

domingo, 11 de maio de 2008

Esquece tudo o que te disse

Todas as palavras são metáforas. Até um "adeus" pode querer dizer "reconquista-me".

Todas as palavras são alegorias. Desenhos de ideias. Acordes musicais de sentimentos, actos, omissões. Alguns silêncios são palavras. Alguns silêncios são gritos. Algumas palavras são lágrimas travestidas de luz.

As palavras nos olhos e as palavras nos lábios podem ser tão distintas, que é como se tivessemos duas encenações a decorrer em simultâneo, cá dentro de nós. Devíamos disciplinar os olhos ou desfrear a língua? Ou vice-versa, já nem sei bem...

As palavras, hoje, são pó. Estão secas, e dispersam-se em partículas no murmúrio de um momento que não existiu. Ou seríamos mesmo nós, ali?

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Promete

Quero escrever. Quero verter sentimentos em palavras. Quero que as palavras nunca sequem, nunca deixem de brotar disto que se passa cá dentro, dentro de mim. Quero as mãos atrapalhadas pela sofreguidão destas palavras, que querem saltar-me pelos olhos, pela boca, perfeitas, redondas, brancas. Palavras.
Deixo-me envolver, respiro. Fecho os olhos e as mãos, trago-as assim ao rosto, escondo-me nelas. Pensamentos feitos luz. Queria saber-te e pôr-te em palavras, muitas palavras, um rio de palavras e eu imersa nele. Sem fôlego, sem pé. Atirar-me para uma corrente de palavras, de sentimentos em palavras, de costas, os olhos fechados, os braços abertos, sem respirar fundo antes de saltar. Saltar, só. Encharcar-me nas palavras de ti.
Quero o som das tuas palavras, o cheiro delas, o sabor delas, na ponta da língua, no fundo da garganta, no fundo do peito. Nas pontas dos dedos. E para lá delas, para lá dos corpos, as palavras, sempre. Para lá da vida e da morte, palavras que ficam sempre, coladas ao tempo, palavras húmidas a escorrer das paredes da alma, até que já não haja ninguém que saiba o que elas querem dizer. Até já não havermos nós, nem nada de nós.
As palavras hão-de ser sempre promessas e desejo. Histórias que escrevemos, de um só fôlego, no cimento molhado. Nas mãos abertas um do outro. As mãos como cadernos em branco, dedos de tinta permanente. As palavras que ficam. Escritas na pele, nos olhos, em nós. São palavras invisíveis, vapor de sonhos. As veias azuis como auto-estradas, a levar a possibilidade das palavras às esquinas do coração.
As palavras como laços. Promete-me palavras. E tempo. E um mar de sentimentos feitos luz, para eu mergulhar, de cabeça. Os olhos fechados e os braços abertos. Palavras sem fim.
Promete.