sábado, 19 de abril de 2008

Desassossego...

"O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço..."


Álvaro de Campos



sábado, 5 de abril de 2008

Os filhos dos outros

Eu gosto de crianças. Há quem diga que é natural, há quem diga que não percebe como é que há gente que diz abertamente não gostar de crianças e não ter a menor intenção de ter filhos/as, há gente para quem "não gosta de crianças" é algum tipo de insulto. Eu discordo: compreendo que haja pessoas que não tenham paciência para crianças, e nem toda a gente é obrigada a desejar loucamente uma ranchada de filhos/as. Eu própria ainda não decidi se quero ou não ter filhos/as, embora desde sempre tenha gostado de crianças e tenha acompanhado imenso o crescimento de um primo e uma prima, que estão agora a entrar na adolescência.
Isto vem a propósito daquilo que hoje me apetece dizer das pessoas que têm filhos/as e que acham que toda a gente à sua volta está 100% disposta a aturar os/as filhos/as deles/as. Eu gosto de crianças e o meu problema não é com elas, mas sim com os/as pais/mães.
Hoje fui almoçar ao shopping. Eram quase duas da tarde, e pensei que já fosse encontrar pouca gente, embora me tenha deparado com uma fila bastante extensa no McDonalds. Dirigi-me a uma fila com cerca de três pessoas à minha frente, e esperei. Imediatamente à minha frente estavam duas senhoras, uma delas com uma criança ao colo, e uma outra com um carrinho de bebé. A criança que estava no carrinho, visivelmente com fome, chorava e protestava bastante, embora nada de insuportável. As duas senhoras, enquanto aguardavam a sua vez, conversavam animadamente sobre assuntos diversos, e escusado será dizer que só se lembraram de decidir o que queriam pedir quando chegaram ao balcão. Ainda antes disso, e enquanto a pessoa que estava à sua frente fazia o pedido, a senhora com a criança ao colo decidiu sentá-la em cima do balcão.
A criança que estava ao colo devia ter pouco mais de dois anos, e, embora ainda mal articulasse o discurso, já tinha voto na matéria quanto ao que ia comer. A senhora que o tinha ao colo perguntava "Queres douradinhos?", a criança dizia que sim com a cabeça e a senhora transmitia a mensagem ao senhor da caixa. "Queres coca-cola?", a criança dizia que sim, e depois dizia que queria sumo, e a senhora pedia ao senhor da caixa para ser antes sumo. Mas a criança queria sumo de laranja natural, e só havia sumo de pacote, e a criança queria um copo, e depois não queria aquele copo, mas sim um copo dos outros, e depois queria uma palhinha, e depois pegava no papel junto à caixa e atirava ao chão, e a senhora que o tinha ao colo interrompia o pedido para ir buscar aquilo ao chão. E depois a criança queria uma moeda para pôr na caixa das moedas junto à caixa, e depois não gostava do brinquedo de oferta, e o senhor da caixa ia buscar outro, mas depois a criança já gostava outra vez do primeiro brinquedo, e o senhor da caixa ia buscá-lo outra vez. E enquanto isto, a senhora do carrinho já tinha pegado na outra criança ao colo, e agora essa criança tinha sede, e a senhora tinha-se esquecido do biberão no carro, e queria uma palhinha para dar água à criança, que estava sentada em cima do balcão, do outro lado da caixa, e chorava de fome e sede. E depois chegava o pai, com ainda outra criança, esta já mais crescida, que se entretinha a passar entre mim e a primeira senhora, e me dava cabeçadas nos sacos que já me pesavam nos braços... Enquanto isso, eu esperava...
Reparem: eu acho óptimo que as pessoas tenham filhos/as, acho que as crianças são fantásticas, e acho o máximo que alguém se sinta capaz de educar um ser humano... Mas não percebo porque é que as pessoas se acham no direito de atirar os/as seus/suas filhos/as para o "colo" dos/as outros/as. Eu não tenho filhos/as porque não quero, mas tenho que esperar meia-hora numa fila de fast-food (!) para que as pessoas com filhos/as possam satisfazer as suas necessidades de interacção social? Tenho que andar a saltar de passeio em passeio para que as pessoas com filhos/as e os seus 37 carrinhos de bebé possam aproveitar o dia de sol?
Há pais/mães muito mal comportados/as neste mundo...