sábado, 1 de dezembro de 2007

Tributo

Tiro o meu chapéu a quem, depois de trabalhar sete ou oito horas por dia, consegue que os/as filhos/as ainda lhe chamem pai ou mãe. Sinceramente. Não sei como se consegue gerir o dia-a-dia quando se tem filhos.
A minha vida doméstica tornou-se um caos desde que comecei a trabalhar. Tenho uma pilha de roupa para passar até ao tecto. De manhã, quando me levanto, estou sempre a morrer de sono. Às onze da noite já estou a cair para o lado. Simplesmente, não tenho tempo para nada! E quando chega o fim-de-semana, quero é descansar e dar umas voltas, não quero ficar em casa a pôr a arrumação em dia!...
Não sei como é que as outras pessoas conseguem. Juro. Será que isto vai melhorar?...

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Esta gente faz-me sentir velha...

Hoje, ao fim de cerca de um ano de interregno, precisei de almoçar na Faculdade. Meio da semana, meio do semestre... Às vezes parece-me que anda toda a gente mais ou menos pelo meu calendário, mas, na realidade, a vida já entrou nos eixos da rotina, para muitas pessoas.
Constatei que a Geração "Morangos com Açúcar" está a começar a chegar à Faculdade. São todos/as "super": vestem bem, o cabelo impecável (apesar do look prevalecente ser o "out of bed", aquilo é tudo muito bem estudado...), elas bem maquilhadas, eles de barba feita (ou desfeita, como se diz cá por cima... :P). Absolutamente frescos/as e fofos/as, parecem nunca deixar de ter 16 anos, apesar de já serem universitários/as.
Senti-me uma velha. Além da gripalhada que me tem acompanhado desde o início da semana, e das olheiras decorrentes das muitas horas que tenho passado em frente ao computador, senti o peso que a vida já depositou sobre mim. As responsabilidades, as contrariedades, as experiências. São ainda poucas, eu sei, mas naquele momento senti-me como se fosse mãe deles/as.
Não tenho saudades, porque tenho tido uma vida cheia. Aproveitei muito bem a minha adolescência, e continuo a aproveitar a vida, com outros excessos, mas mais ponderados e moderados. Mas sinto o tempo a passar, a vida a mudar. E não há nada que possamos fazer quanto a isso. O mundo não pára. Já não sou aquela pessoa, já não sou um/a deles/as. Sou outra(s) coisa(s), tenho outra(s) vida(s).
Sinto-me numa espécie de "limbo". Mas também não sei se alguma vez realmente descobrimos quem (ou o que) somos ou não somos, porque, na realidade, somos e vamos sendo muitas coisas, conforme as exigências e as oportunidades que a vida nos vai apresentando. Já não é bem uma crise identitária, é mais uma identidade crísica, aquilo que vivemos. Eu, pelo menos, sinto-me assim... E velha.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Morna

Tépida. Serena. Amolecedora. Tíbia. Dolente. Vagarosa. Paliativa.

Suficiente. Comedida. Moderada. Meã. Regular.

Langorosa. Cálida. Frouxa. Monótona.

É como vai a vida cá por dentro...


quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Pintei um quadro

Finalmente, ao fim de tantos anos de tentativas, e ideias e espera. Quanto mais nos queremos afastar de uma inclinação inicial, mais ela nos persegue, e por vezes acaba mesmo por prevalecer...
É óptima a sensação de produzir algo, de lhe poder tocar. Fazer com as mãos.


sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Inner Life

Tenho um lado obsessivo-compulsivo: não gosto de ver cabelos pendurados na roupa das pessoas, mesmo daquelas que não conheço, e tenho que me refrear para não os tirar. Não gosto de ver vincos ou dobras desnecessárias em lençóis, colchas, toalhas, roupa. Arrumo os livros nas prateleiras por ordem alfabética de autoria e por ordem de aquisição, no caso de pertencerem a um/a mesmo/a autor/a; nos "recreativos", escrevo, na primeira página, o mês, o ano e o local da compra; nos académicos/científicos, assino e escrevo o ano da compra. Ofereço muita resistência a mudar o meu percurso geográfico quotidiano: só ao fim de muita persuasão, consigo realmente "encaixar" que, se fôr por outro lado, é mais rápido ou encontro menos obstáculos.

Irrita-me que as pessoas digam "obrigados" ou "gostava de chamar a atenção que".

Não gosto que me toquem involuntariamente, na rua. Nem que venham a "marcar passo" atrás de mim.

Gosto de ficar em silêncio. Não gosto de usar a televisão como "luz de presença". Gosto de ter tudo desligado e ficar a ouvir somente a minha voz interior.

Não gosto de pés. Não me importo de olhar para eles, mas não gosto de lhes tocar; nem nos meus. A menos que seja estritamente necessário. Não gosto das unhas dos pés; acho-as feias e absurdas.

Gosto de cabelo. Adoro que me mexam no cabelo, adoro cabelos em que apetece mexer. Não percebo como é que há gente que sai à rua como se tivesse lavado a cabeça com óleo Fula.

Adoro o cheiro dos lençóis lavados e de enterrar o nariz na fronha acabada de tirar da gaveta. Gosto de roupa de cama branca, toda branca. Adoro a sensação de me deitar numa cama fresca, mesmo quando está frio.

Não consigo ultrapassar o facto de passar por uma cara conhecida, e não me conseguir lembrar quem é. Sou capaz de ficar a matutar nisso dias inteiros.

Sou incapaz de ler uma matrícula e não pensar logo numa palavra passível de nascer daquelas duas letras.

Gosto de ombros. Dão vontade de morder.

Não gosto de aranhas e insectos na generalidade, excepto joaninhas, mesmo que digam que são escaravelhos às pintas. Gosto de gatos e cães. Entro em pânico se vejo um cão "potencialmente perigoso" sem trela, na rua; começo a hiperventilar e fico estática.

Não gosto de crianças a fazer birra. Não gosto de gente a falar alto.
Gosto do cheiro a sabonete. Daquele básico, que cheira só mesmo a lavado. É preferível ao encharcamento em perfume, que me deixa à beira da náusea.

sábado, 6 de outubro de 2007

Sentença: Movimento Perpétuo

Em alguns momentos, o meu maior desejo era que a minha cabeça tivesse um botão de desligar. Aliás, já nem peço tanto: um stand-by já servia. Às vezes, fico tão cansada que me sinto como se o meu cérebro fosse entrar em ebulição, ou se a cabeça fosse estourar de vez, e saltar dos ombros, projectada para o Espaço...
Por vezes, gostava de poder pintar a cabeça de branco; por dentro. Como uma sala de um manicómio, daqueles que vemos nos filmes, com as paredes almofadadas, e nada lá dentro. Só branco e silêncio. Vazio. Sossego.
Mas os pensamentos, na minha cabeça, são como comboios. Intermináveis e barulhentos. Começam com uma coisa mínima, "Olha, que giro, uma sombra na parede", e de repente viajei dez anos para trás, no tempo, numa série contínua de carruagens-ideias. Uma lagarta infinita de memórias, e experiências, e ideias, e perguntas. Normalmente, dois minutos em silêncio são sucedidos por uma pergunta estapafúrdia. Porque, naqueles dois minutos, percorri todos os recantos da minha memória de curto e longo prazo e cheguei a um nó que me trouxe de volta à realidade: uma pergunta. Como é que os aviões se mantêm no ar depois de descolar? Porque é ficamos tontos/as depois de um sopro prolongado? O que é que acontece às coisas dentro do microondas?
Às vezes, simplesmente, não consigo parar de pensar. Estou cansada, dói-me a cabeça, tenho sono, quero concentrar-me em alguma coisa ou simplesmente não pensar em nada, e não consigo. Porque há uma música, uma música qualquer (e quanto mais rebuscada melhor), pode até nem ser uma música, mas simplesmente uma frase que alguém disse com uma certa "musicalidade", e fica a martelar horas infindas na minha cabeça. Sem parar. E quanto mais eu penso que preciso de tirar esta ideia da minha cabeça, mais alto ela toca, e com mais nuances, às vezes mais agudo, outras vezes mais grave, mais rápido ou mais lento. E eu a querer fugir, e a música sempre a perseguir-me, e atrás dela mais ideias, mais lembranças, "preciso de fazer isto", "gostava de fazer aquilo", "esqueci-me de fazer não-sei-quê".
Que horror... Preciso que alguém me salve de mim própria...! Acho que vou acabar louca...

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

"Five Years" (Bowie, 1972)

Cinco anos. Uma mão cheia de anos. Uma mão cheia de risos, projectos, sonhos, lágrimas, silêncios. Uma mão cheia de vida(s). Uma vida cheia de mim.
Completam-se cinco anos, completa-se uma fase, ninguém mo disse, mas assim parece ser.
Cinco anos. Quando encetei este capítulo da minha vida, faltava menos de um mês para fazer 18 anos; passam amanhã dois meses desde que fiz 23.
É quase ridículo dizer que tanta coisa se passou desde há cinco anos para cá, porque na realidade me sinto como se, neste estretanto, tivesse percorrido o Mundo inteiro mil vezes, perdendo-me e achando-me em cada momento. É como se tivesse morrido e voltado a nascer a cada dia.
Conheci pela primeira vez a dor da verdadeira saudade. Aquela saudade que nunca morre, que nos humedece sempre os olhos, sempre, que nos traz um nó à garganta. Aquela saudade que nunca mais poderemos saciar. Perdi o meu avô. A presença dele deixou de preencher fisicamente os meus dias, embora esta dor de não o ter nunca morra. Por vezes adormece, por vezes é quase como se não estivesse lá, mas por vezes é tão forte que nem consigo respirar. Penso muito nele, muitas vezes, em muitas situações. Não só quando penso no meu futuro e imagino todos aqueles acontecimentos na minha vida que ele já não pôde nem vai poder testemunhar: se um dia me casar, ele não vai estar lá. No dia em que apresentei a minha primeira comunicação, na Faculdade, ele não esteve lá sentado na plateia ao lado da minha avó. Se um dia tiver um filho, não vou poder pôr-lhe no colo o bisneto que terá o seu nome. Não pude mostrar-lhe as fotografias do dia em que comemorei o final do meu curso. Ele nunca visitou a minha casa. Também sinto a falta dele no dia-a-dia, nos fins de semana em que vou a casa dos meus pais, quando percorro os álbuns de fotografias, quando sinto na rua o cheiro do after-shave dele... Enfim, sempre. É uma dor que nunca acaba, simplesmente aprendemos a viver com ela, uns dias melhor, outros dias com muita dificuldade. Doem os beijos e os abraços que não lhe dei, as histórias que não o ouvi contar, a falta do assobio dele, a voz dele a dizer aquelas coisas de todos os dias, e dói o medo de me esquecer dessas coisas, como sei que um dia hão-de esquecer todas essas memórias de mim.
Perdi também a minha avó paterna e a minha tia, irmã mais nova do meu pai, a primeira devido a problemas de saúde associados à idade, e a segunda num acidente de viação. E senti bem fundo a angústia do fim, de um dia poder ser a última "testemunha" de tantas vidas que tanta gente ainda por nascer já não irá conhecer, de eu própria ser um dia pouco mais que uma vaga memória ou uma fotografia amarelecida no fundo de uma gaveta. Daqui a cem anos, este sítio onde estou sentada neste momento, a escrever estas palavras, poderá não ser senão ruínas ou pó. E ninguém saberá, nessa altura, que esteve aqui alguém a pôr memórias em palavras e a pensar no seu próprio fim. O que fica de nós, depois de morrermos?
Por outro lado, e porque nem só de perdas foi esta fase feita, este período tem o seu início precisamente no momento em que iniciei a relação pessoa com quem hoje partilho a vida. Passaram cinco anos no dia 22 de Julho. E têm sido anos de uma aprendizagem permanente e de uma partilha incessante. Sou hoje uma pessoa muito diferente daquela que era há cinco anos atrás, e se essa mudança me tem sido favorável, isso deve-se à amizade, ao companheirismo e ao amor que me têm sido dedicados. Ao fim deste tempo todo, e de todos os obstáculos que tivemos que ir ultrapassando, continua a ser a pessoa que melhor me conhece, mais me compreende e mais me critica, mas sempre de forma construtiva. É um companheiro a todos os níveis (excepto como par de dança, mas tem de haver sempre algum handicap...) e é das pessoas mais interessantes que alguma vez conheci: o assunto de conversa nunca se esgota, e não é raro fazer-me rir até às lágrimas. Completaram-se no dia 20 de Setembro quatro anos de partilha quotidiana. Construímos uma casa; não com tijolos e cimento, antes com hábitos, velhos e novos, gostos (in)comuns, muitas conversas, muitos silêncios, muitas gargalhadas. A Luna!
Ninguém nos explica como vai ser partilhar a vida e a casa com alguém, principalmente quando um laço afectivo nos une a esse alguém. Desejam-nos felicidades e boa sorte, mas não nos dizem como vai ser difícil. Para mim, que tinha saído de uma casa onde, basicamente, não fazia a ponta de um corno, ver-me de repente a braços com uma casa que era minha, sob a minha exclusiva responsabilidade, foi, em alguns momentos, um choque. Também ninguém nos explica como, por vezes, e apesar de poder ser difícil viver connosco mesmos/as, viver com outra pessoa é bastante mais complicado. E quando estamos a aprender a fazer as duas coisas, ao mesmo tempo, mais difícil ainda... Nunca deixa de ser um desafio, parece-me. Se deixar, é porque morreu. Mas acaba por dar mais gozo do que dores de cabeça. E, se assim for, é porque vale a pena. No meu caso, valeu, tem valido, continua a valer. É uma descoberta constante, de mim própria e da outra pessoa, de todos aqueles Outros que somos interiormente. Como diz o Luís Fernando Veríssimo na crónica "Do Lado de Lá" desta semana, na revista "Actual" do jornal "Expresso":
«Dois nunca são só dois, são dezassete de cada lado. E quando você pensa que conhece todos, aparece o décimo oitavo. (...) Tenho outros por dentro que nem eu entendo, minha teoria é que a gente nasce com várias possibilidades e quando uma predomina as outras ficam lá dentro, como alternativas descartadas (...). Viver juntos é ir descobrindo o que cada um tem por dentro, os dezassete outros de cada um, e aprendendo a viver com eles. A gente se adapta. Um dos meus dezassete pode não combinar com um dos dezassete dela, então a gente cuida para eles nunca se encontrarem»
Amar dá trabalho! Viver dá trabalho. Mas, ao fim de cinco anos, continua a valer (muito) a pena.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Destino: Espanha (O vídeo)

Eis o último capítulo do romance "Destino: Espanha", o vídeo que eu e o Paulo fizemos do nosso fim-de-semana no estrangeiro :P
Espero que gostem; e tem banda sonora!

http://video.google.com/videoplay?docid=-4942685178273552066&hl=en

domingo, 19 de agosto de 2007

Destino: Espanha (a viagem de regresso)

Saímos de Santander às 10:30h do dia 12 de Agosto. O destino era Braga, com desvio até ao País Basco, para visitar Vitoria-Gasteiz, Cidade Educadora que uma série de coincidências pareciam querer colocar no nosso caminho, a começar pela (relativa) proximidade em relação a Santander. No entanto, o tempo parecia não querer ajudar, e temendo que o destino se apresentasse chuvoso (note to self: levar chapéu de chuva na próxima viagem, independentemente do destino e da altura do ano), decidimos que a visita teria de ficar para outra ocasião. Há que salientar, também, que, segundo as indicações do Via Michelin, este pequeno desvio representaria mais 168 km e quase mais três horas de viagem (estranha proporção...), o que, convenhamos, foi também bastante persuasivo...
De maneira que decidimos atalhar caminho e seguir para sul, em direcção a Palencia (província de Castilla y León), e, a partir daí, seguir practicamente em linha recta até à fronteira, em Vila Verde da Raia, perto de Chaves.
A saída da Cantabria pelo sul é, de facto, lindíssima, uma vez que nos permite atravessar a Cordillera Cantábrica, pertencente ao Parque Nacional dos Picos da Europa. A natureza circundante praticamente intocada, muita vida selvagem bem à vista (nomeadamente aves de rapina), muita gente de bicicleta, uma viagem muito agradável. Seguimos pela N-611, com entradas e saídas da A-67, ainda em acabamentos.
Depois, mais ou menos a partir de Aguilar de Campoo, uma mudança de paisagem dramática: entráramos na Meseta Ibérica. Quilómetros e quilómetros de planície contínua, a estrada a rebrilhar sob o sol do meio-dia, campos de girassóis a perder de vista. E laranja, muito laranja, nos campos, nas paredes das casas dos pequenos vilarejos (fantasmas) aqui e ali; "é Verão", parecia querer dizer. Chegámos a Palencia cerca das 14:00h; uma cidade perfeitamente normal, pouca gente na rua, poucos restaurantes abertos, e por isso a opção para o almoço foi pizza.


Cerca de uma hora depois, estávamos de regresso à estrada (desta feita, a N-610), e à Meseta. Perto de Villanueva del Campo, pela primeira vez em muitos, muitos quilómetros, avistámos finalmente uma matrícula portuguesa, e foi um acontecimento tal que o sujeito, depois de nos ultrapassar, nos acenou pelo retrovisor...! Uma vez que tínhamos ganho algum tempo de viagem por termos preterido a visita a Vitoria-Gasteiz, decidimos fazer um pequeno desvio até ao Lago de Sanabria, que fica situado no meio de montanhas e a cerca de 1000 metros de altitude, estendendo-se ao longo de 3,2 km de comprimento por 1,5 km de largura. O Lago e a sua envolvente, graças à acção da sua população (a quem é dedicada uma placa em bronze junto à estrada que circunda o Lago), foram declarados Parque Natural em 1978, numa zona onde convergem as fronteiras da Galiza, de Portugal e da província de Castilla y León. Como o tempo já não era muito, optámos por não prolongar muito a paragem, embora o guia que levássemos aconselhasse uma visita à Puebla de Sanabria, que, pelas imagens inclusas, de facto se justicava.


Deixando para trás o Lago, a viagem até à fronteira, que cruzámos em Vila Verde da Raia (onde encontrámos um posto fronteiriço, embora já encerrado), decorreu sem precalços. O Via Michelin indicáva-nos a viagem até Braga através da auto-estrada, mas decidimos que, se tinhamos sobrevivido à Meseta, também sobreviveríamos à Nacional até Braga. Escusado será dizer que não há comparação possível e foi, em certos momentos, uma dura prova, aguentar tanta curva e contra-curva depois de uma viagem tão longa, mas lá se fez.
Uma óptima viagem, que decorreu comme il faut, e da qual só trazemos boas recordações, e muitas fotografias. Para o ano, Santander emerge como destino obrigatório, embora desta feita desejemos fazer a viagem até lá pelo sul, visitando Barcelona e, finalmente, Vitoria-Gasteiz.
Amanhã partimos para o Algarve, mais precisamente para Monte Gordo, para uma semana em família, da qual espero trazer mais algumas fotos, relatos e uma corzinha mais interessante :)
Beijos




(O conta-quilómetros, à chegada a Braga, marcando 437 km, aos quais se somam outros mil, percorridos durante este fim-de-semana em Espanha.)

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Destino: Espanha

Saímos de Braga às 07:00h do dia 10 de Agosto, com destino marcado: Santander. Uma vez que este ano as férias foram forçosamente mais curtas, atendendo ao facto de nos termos envolvido num trabalho que se prolongou até ao início do mês de Agosto (para lá do dia dos meus anos, que, normalmente - ou seja, em 23 anos de vida - me encontra já em pleno período de descanso), decidimos embarcar numa aventura, que resultou de uma série de coincidências agradáveis. O Paulo dizia que gostava muito de fazer uma viagem grande comigo; eu gostava muito de regressar a Santiago de Compostela (onde tinha estado pela última vez há cerca de 8 anos), onde ele nunca tinha estado; durante este último ano lectivo, tivemos a sorte de conhecer um amigo alemão e uma amiga espanhola que o destino quis juntar, e que as circunstâncias colocaram em Santander (terra natal dela) durante o mês de Agosto. Bem vistas as coisas, decidimos que era altura de nos fazermos à estrada, para desenferrujar o Peugeot 504 de 30 anos que tinha passado o último ano e meio a fazer um lifting profundo.


Seguimos em direcção a Espanha, cruzando a fronteira em Valença. Optámos por tornar a viagem o mais económica possível, uma vez que sabíamos de antemão que teríamos de suportar custos de alimentação e combustível ao longo de toda a viagem, e alojamento em Santander. Apesar de termos feito a maior parte do percurso até ao destino por auto-estrada, tivemos a sorte de utilizar sempre auto-estradas sem portagem, sendo de salientar o excelente estado de conservação das vias (mesmo no caso das estradas nacionais) e da envolvente das estradas, minimamente beliscadas pela franca afluência de trânsito em algumas zonas.
Depois de algumas complicações menores com saídas e entradas de algumas cidades, mas sem precalços de maior, chegámos a Santiago de Compostela cerca das 12:00h (hora espanhola). Tal como me lembrava, há oito anos atrás. Muita gente, muita vida, muita(s) História(s). Uma cidade onde o tempo parou num momento mágico, e que nos convida a parar e apreciar, simplesmente. Almoçámos por lá; embora eu fosse com a ideia dos calamares e o Paulo das tortillas, acabámos a comer bife com batatas fritas e a pagar 1,20 euros por café. Enfim, é Santiago, valha-nos isso...




Depois das 15:00h, a N-550 foi a nossa melhor amiga, até chegar à costa norte e sentir o vento potente do Mar Cantábrico. É Atlântico Norte, não há dúvida. Estávamos em Ribadeo e parámos para abastecer; já tinha saudades de ver a bomba a marcar mais litros do que euros...! Depois, foi só desfrutar a paisagem até ao destino: do lado esquerdo, o mar em baías, cabos, portos e enseadas; do lado direito, o Parque Nacional dos Picos da Europa a dar os primeiros ares da sua graça. Há que referir o sucesso que o carro foi fazendo ao longo da viagem, principalmente quando as matrículas portuguesas passaram a ser uma miragem (mais ou menos a partir da entrada nas Astúrias), havendo até quem se virasse para trás depois de ultrapassar, para apreciar bem o espécime.


Chegámos a Santander cerca das 21:30h, e parámos ao lado do estádio do Racing. A entrada da cidade, plena de prédios de habitação, levou-nos a temer que a expectativa se cumprisse: não conhecíamos absolutamente nada de Santander, nem sequer sabíamos que ficava mesmo na costa, em alguns momentos julgámos que iria ser uma desilusão, quando finalmente chegássemos ao fim da longa viagem. No entanto, depois do túnel, veio a revelação: é uma cidade costeira, em todo o seu esplendor. Praia, passeios marítimos, parques, uma longa e movimentada marginal, muita (muita!) gente. Conseguimos alugar um quarto com quarto de banho por 36 euros por noite, o que foi uma sorte sem tamanho, uma vez que rapidamente chegámos à conclusão que a desconhecida Santander é realmente um verdadeiro destino turístico, e logo no dia seguinte verificámos que muitos hóteis afixavam já cartazes de "esgotado".
Decidimos falar sempre em Português, e safámo-nos. Quisemo-nos poupar, e aos espanhóis e às espanholas, de constrangimentos que sempre resultam da presunção de se saber falar num idioma tão (ou tão pouco) parecido com o Português. Apenas claudicámos nos agradecimentos, que saíram sempre em forma de "muchas gracias", mas a amabilidade retribui-se com amabilidade. Parecendo que não, é mais bonito dar graças do que ser "obrigado/a".
Gostámos muito, e pretendemos voltar. Porque "uma imagem vale mais que mil palavras", aqui fica Santander "em fatias" de luz e de cor, e a promessa do relato da viagem de regresso no próximo post.
Boas férias!







sexta-feira, 27 de julho de 2007

Ah, então é por isso...!

«Uma situação tão extrema [uma taxa de fertilidade de 1,36 nascimentos por mulher] não pode advir de acaso, acidente ou tendência de fundo. Ela nasce de uma estratégia sistemática e continuada.
Ao longo das últimas décadas temos vindo a assistir à propagação de uma ideologia e cultura hedonista e laxista, violentamente contra o casamento, a natalidade e a família.
Das leis às telenovelas, do chamado "Ministério da Educação" à publicidade e aos discursos, tudo veicula uma cultura considerada "moderna, tolerante e progressiva", que se manifesta na promoção do aborto e da promiscuidade, na facilitação do divórcio, adultério e homossexualidade. Os resultados estão à vista: os portugueses são uma raça em vias de extinção.»
João César das Neves, Economista e Professor Universitário (naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt), in Destak, 25/07/2007


Depois de uma pérola destas, não há nada que eu possa acrescentar que não estrague a qualidade da lição apresentada pelo Professor João César das Neves, ainda por cima benemeritamente veiculada por um jornal de distribuição gratuita.
No entanto, eu gostaria só de dizer, e assumindo a minha (pese embora licenciada) insignificância intelectual perante o portentoso orador, que faltou referir a raiz de todo este mal, o cancro que, realmente, está a conduzir os portugueses ao abismo da existência: a entrada da mulher no mercado de trabalho.
Porque, quer dizer, tudo bem, os abortos e os paneleiros e tal, mas nada disto existiria se as mulheres não tivessem saído de casa, porque toda a gente sabe que boas mães não criam filhos homossexuais! Promiscuidade e adultério? Mulher que se preze nem sabe pronunciar correctamente tais palavras; abre as pernas, fecha os olhos, respira fundo e pensa que é pelo bem da Nação!
Meus amigos e minhas amigas, salvemos os portugueses da extinção! Sejamos verdadeiramente modernos, tolerantes e progressivos (sem aspas!)! Este país precisa de alguém que lhe aponte o caminho da salvação, e o meu voto vai para o Professor João César das Neves... E vocês? Querem ser responsáveis pela morte lenta de Portugal?
F*dam pelas vossas vidas! Mas só depois de casar...

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Já fiz

Pronto, já sou Licenciada :)
Até quando é que vale respondermos "estudante" quando nos perguntam a profissão?

quarta-feira, 18 de julho de 2007

As Boas

Uma família na qual não nasci, mas que adoptei e me adoptou, em toda a acepção da palavra.

Beijos para todas :)


terça-feira, 17 de julho de 2007

Está quase

Até ao fim desta semana, poderei considerar-me Licenciada em Ciências da Educação. O parto foi difícil, mas, ao fim de uma semana de reclusão, entreguei ontem o relatório de estágio.
Eu sou assim, neste aspecto julgo-me tipicamente portuguesa: tenho uma espécie de relógio interno que me diz "Se não começares o trabalho neste exacto momento, não vais ter tempo de o fazer". As melhorias foram imensas, ao longo destes cinco anos, mas sou daquelas que deixa tudo para a última da hora. Do estilo, passar o dia inteiro sentada ao computador ou à secretária a ler (sim, porque também se tem aplicado ao estudo para os exames), deitar-me às duas da madrugada e ter de me levantar às seis da manhã, para conseguir entregar no prazo. Desta vez, talvez por ser a última, fui suficientemente disciplinada para começar uma semana antes do final do prazo. Já não é mau, tendo em conta que já escrevi um trabalho de 50 páginas practicamente de um dia para o outro.
Não me dei mal, confesso. Nunca falhei um prazo de entrega, nunca deixei nenhum exame para segunda chamada. Em cinco anos de curso, não fiz nenhuma cadeira com menos de 13 (e foi só uma), nunca deixei uma cadeira para trás, fiz duas melhorias (na primeira, passei de 10 para 17, e na segunda de 13 para 14; era esse o meu objectivo, tirar pelo menos um 14).
Começo a entrar na fase do "e tudo isto, para quê?", mas ainda não me deixei apoderar pela angústia. Se mais nada houver, há-de sempre haver por aí algum balcão da Zara, ou alguma caixa do Pingo Doce. Parada é que não.
Está quase.

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Pringles Jamón

São estupidamente salgadas... A ponto de me rebentarem os lábios e me provocarem um esgar de "Aaaarghhh... azeeeeeedo" cada vez que trinco uma.
São o cúmulo da gordura, o que é especialmente grave quando se está a comê-las ao computador, mais ainda quando já passámos de meio do pacote e temos que lá enfiar o punho para sacar alguma.
E no entanto... em cinco minutos, Deus guarde as Pringles, paz à alma delas, for they have ceased to exist. Castiguei 170 gramas de "Producto de Aperitivo Frito con sabor a Jamón" enquanto o Diabo esfrega um olho.
Rai's parta a m*rda da gulodice!...



(Porque a vida também é feita destes pequenos nadas, que são, afinal, o que lhe dá côr... :) )

terça-feira, 26 de junho de 2007

Sobre a música

"Quando a música nos comove até às lágrimas aparentemente sem motivo, não choramos por um excesso de prazer, mas por um excesso daquela tristeza impaciente e perpétua de, como meros mortais, ainda não estarmos preparados para nos banquetearmos com os êxtases sobrenaturais dos quais a música nos oferece apenas um vislumbre sugestivo e indefinido."
=Edgar Allan Poe=

Gosto de música. Não imagino a minha vida sem ela. Gosto de todo o tipo de música, desde que seja boa. Desde que faça sentido. Às vezes ouço uma música, da qual acho, à partida, que não vou gostar, por ser deste ou daquele "género musical", e passado alguns segundos, lá estou eu a bater o pé ao ritmo. Posso até não gostar, mas há qualquer coisa numa boa música, numa boa voz e numa boa batida que ultrapassa qualquer estereótipo. Chama-se "feeling".

É como a água: não tem cheiro, nem cor, nem sabor. Não se lhe pode tocar, nem medi-lo. Apenas senti-lo. Para mim, é como se aquela música "fizesse sentido", é o que costumo dizer. Não sei explicar. Só sei sentir. É a diferença entre se arrepiar a pele da nuca e os olhos se encherem de água, ou todos os músculos do corpo se contrairem na expectativa do "descarrilamento". O que, quando se houve uma banda ao vivo, é ainda mais evidente: é preciso conhecer muito bem uma música, "senti-la", para o/a músico/a se poder libertar e, verdadeiramente, interpretá-la. Não se trata apenas de saber as notinhas todas, e tocá-las todas muito direitinhas, em filinha atrás umas das outras. Isso, para mim, não é música; é som. A música é imprevisibilidade, é emoção, é improviso. É saber aproveitar aquela nota falhada para construir toda uma nova lógica harmónica. Isso é talento.

Nem toda a gente tem. É um facto. Quando era pequena, a minha irmã recebeu, num aniversário, um orgão, daqueles Casio, de boa qualidade. Ela não lhe ligava muito, e eu entretinha-me a tirar músicas de ouvido. Ouvia uma música e procurava reproduzi-la no orgão, tentando-falhando-tentando notas. Toda a gente dizia que eu tinha bom ouvido, mas, na realidade, aquilo eram só notas, umas a seguir às outras, sem fio condutor. Se quisermos, é a técnica, sem o "feeling". Isso não é música; é som.

Um/a bom/boa músico/a tem a capacidade de nos "transportar" para uma outra dimensão de entendimento. É como se, por breves minutos, o nosso cérebro se pudesse desligar das coisas terrenas e viajar, ao som daquela melodia. É como se, mesmo que não se saiba dançar (e o que é isto de "saber dançar"?), o corpo intuí-se imediatamente os movimentos mais harmoniosos, mais genuínos. É como se, naquele espaço-tempo, todo o Universo estivesse em sintonia, e aquele instrumento (ou aquela voz) pudesse ser o veículo privilegiado de acesso a esse concílio sobrenatural.

E isso não está ao alcance de qualquer pessoa. Por muita perfeição com que se saiba tocar um instrumento, ou por muito afinada que seja uma voz, é preciso algo mais. É preciso entrega, é preciso submeter-se aos desígnios da própria música, e, assim, é preciso humildade. Por isso é que este mundo está cheio de vedetas, é pena é haver tão poucos/as artistas.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Uma boa razão...

...para ir ao fotógrafo:





Nem pareço eu, até gosto de me ver... :P

quarta-feira, 13 de junho de 2007

A inveja

Era uma vez um menino, a quem chamaremos Zézinho. O pai e a mãe do Zézinho, por razões que não iremos explorar agora, olharam para o menino acabado de nascer e decidiram que ele iria ser o melhor. Por isso, desde cedo, convenceram-no de que era o melhor em tudo, e arranjaram forma de que, se não o fosse efectivamente, o filho tivesse meios de convencer os/as outros/as de que o era, e por isso encheram-lhe o quarto dos melhores brinquedos e das últimas tecnologias. Assim, o Zézinho cresceu convencido de que realmente era o melhor; e que razão teria ele para duvidar do pai e de mãe?
Um dia, o Zézinho cresceu e saiu "debaixo da asa" da família. Foi estudar para outra cidade (embora continuasse a viver em casa do pai e da mãe) e entrou para uma Escola maior. Aí, conheceu outro menino, a quem chamaremos Pedrinho. O Pedrinho também era muito bom naquilo que fazia, em algumas actividades era mesmo o melhor, mas o pai e a mãe dele nunca lhe tinham incutido que, mais do que ser bom, era preciso ser o melhor. Ainda assim, o Pedrinho recolhia admiração de todos/as os/as novos/as colegas, menos do Zézinho, que olhava para ele com alguma desconfiança: não percebia como é que os/as colegas podiam gostar tanto de alguém que nem sequer se esforçava para ser o melhor em tudo. O desconforto passou a antipatia e, rapidamente, o Zézinho estava capaz de fazer qualquer coisa para ser melhor que o Pedrinho.
Como se não bastasse, o Pedrinho arranjou uma namorada, e o Zézinho, não querendo ficar atrás, decidiu devotar-se a conquistar aquela que, na sua opinião, seria a mais difícil de seduzir, para que pudesse celebrar mais esta vitória. Azar dos azares, viria o Zézinho a descobrir pouco depois, a namorada era daquelas "pós-modernas", que não querem ser namoradas, querem ser só "amigas com quem damos umas voltinhas de vez em quando" e o Zézinho, embora se esforçasse por dar a entender que se achava um sortudo por ter uma namorada tão "à frente", pensava, muitas vezes, que a namorada, na realidade, não gostava dele o suficiente para assumir o relacionamento, ou teria até mesmo vergonha dele.
Surgiu então a oportunidade de participar num torneio de xadrez, e o Zézinho, não podendo resistir ao apelo de mais uma conquista certa, decidiu chamar alguns/algumas colegas para se lhe juntarem, formando uma equipa. No entanto, todos/as os/as colegas acharam que as hipóteses de ganhar subiriam substancialmente se chamassem o Pedrinho para integrar a equipa, uma vez que alguns/algumas tinham ouvido dizer que ele já tinha participado em vários torneios da modalidade, tendo igualmente pertencido a alguns clubes e, inclusive, vencido diversas iniciativas. Tanto azucrinaram o Zézinho que ele lá acabou por aceitar integrar o Pedrinho, embora tenha deixado bem claro, desde o início (mas, claro, sem nunca falar abertamente com o Pedrinho), que não lhe agradava aquela parceria. E, de facto, achavam todos/as os/as colegas, o Pedrinho tinha sido uma óptima aquisição: tinha uma excelente técnica de jogo e gostava de apoiar o treino dos/as colegas. Apenas o Zézinho continuava a discordar da presença do Pedrinho, e quanto mais aplaudida esta era, mais o Zézinho se esforçava por chamar para si a atenção exclusiva dos/as colegas, fosse oferecendo-se para dar palestras sobre os seus utilíssimos conhecimentos técnicos, fosse para obrigar os/as colegas a horas e horas a fio de jogos intermináveis (porque, como já sabemos, o Zézinho nunca perdia, e enquanto isso acontecesse, o jogo não poderia acabar).
Ao fim de alguns meses, o Pedrinho, devido a responsabilidades familiares, teve de abandonar os treinos, embora se mantivesse sempre interessado na progressão que os/as colegas iam fazendo. Quando finalmente teve possibilidade de reintegrar a equipa, faltava cerca de um mês para o torneio, e conversou com alguns/algumas colegas (uma vez que desconhecia a existência de um "chefe" de equipa) sobre a possibilidade de, ainda assim, participar no torneio, ao que todos/as foram receptivos/as. Excepto, claro, o Zézinho, mas, como já era seu hábito, não teve coragem de interpelar o colega e expor-lhe a sua oposição. O Pedrinho regressou, assim, aos treinos, mas, ao fim de algumas sessões, sentia-se muito desconfortável com o desagrado implícito na atitude do Zézinho, embora esperasse que ele o esclarecesse acerca da sua posição em relação à participação no torneio. Ainda que a maioria dos/as colegas se manifestassem abertamente a favor da participação do Pedrinho, ninguém se assumiu como estando contra, embora muitos/as tenham simplesmente encolhido os ombros. No entanto, a conversa com o Zézinho nunca aconteceu, e o Pedrinho, não tendo qualquer intenção de causar mau-estar aos/às colegas, mas apenas divertir-se num jogo que tanto prazer lhe dava, decidiu abandonar a equipa.

Caros/as leitores/as, não sabemos ainda o desfecho do torneio de xadrez, mas garanto que, assim que houver novidades, terei ENORME prazer em anunciar tão aprazível e rotunda derrota.

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Ossos

Algumas pessoas têm muito pudor em reconhecer quanto a biologia condiciona de facto aquilo que somos enquanto seres humanos. As pessoas que se escandalizam quando ouvem dizer "raça" em vez de "etnia" são aquelas para quem o facto sermos todos/as, no fundo, seres eminentemente biológicos é uma realidade demasiado desconfortável. "Não queremos ter raças, porque não somos animais, somos pessoas".
Já eu, vivo bem com o meu lado animal. Desde que me lembro de existir que sempre tive uma relação interessante com o meu corpo. Cedo desenvolvi uma espécie de "sentimento de mim", uma consciência da minha existência e circunstância física, talvez devido a ter praticado ballet e outros desportos durante vários anos. O meu corpo nunca foi, para mim, uma restrição, mas antes uma plataforma.
Confundem-me as pessoas que têm, com os seus corpos, uma relação demasiado "higiénica", como se o corpo pudesse ser apenas uma embalagem a que somos obrigados/as a recorrer para transportar os nossos elevados e iluminados, quase etéreos, seres. Não me vejo assim. Vivo bem com o meu corpo. O que não significa que passe horas a admirar-me ao espelho e a pensar que sou uma dádiva de Deus ao mundo; simplesmente convivo cordialmente com as suas imperfeições e celebro as suas potencialidades. O meu corpo, mais do que a minha mente, é o meu veículo de transmissão. Sou mais sincera quando me expresso através dele, e ele permite-me uma abstracção que não me é possível de outra forma menos "material".
Quando me custa a adormecer, gosto me concentrar nos meus ritmos. Na minha respiração, nos meus batimentos cardíacos. Isso ajuda-me a abstrair-me das preocupações que me roubam o sono. Por outro lado, gosto de analisar o meu corpo, olhá-lo como se estivesse a apreciar um quadro, reparar nas imperfeições da pele, nas veias azuis perceptíveis aqui e ali, nas pulsações. E isso relaxa-me, também.
No entanto, compreendo a relação que algumas pessoas têm com a corporeidade, porque a Educação que recebemos não condiciona apenas as nossas funções intelectuais: a Escola ensina-nos que o saber exige disciplina, a todos os níveis, e só podemos realmente aprender quando controlamos o corpo, quando o obrigamos a estar sentado várias horas e lhe "dizemos" que só pode extravasar às horas destinadas ao efeito. Da mesma forma, tanto a Escola como a família e a própria cultura nos dizem, mais ou menos explicitamente, que o corpo é uma parte de nós de que devemos ter vergonha (porque desempenha funções menos nobres, ou "sujas", se quisermos), e por isso temos que vesti-lo e calçá-lo, e escondê-lo de todas as formas possíveis, e em todas as circunstâncias, principalmente quando temos que o partilhar com alguém. Por isso entendo que tantas pessoas tenham uma relação tão dolorosa com o seu corpo. E lhes custe tanto pensar em si como animais, porque isso seria quase como dizer que não podemos ter controlo sobre nós próprios/as; e, consequentemente, sobre os/as outros/as. Não seria este mundo muito mais fácil se soubéssemos sempre o que esperar do/a outro/a e de nós mesmos/as?...

Gosto de ser principalmente vida. Músculos, sangue, ossos, esforço, adrenalina, cansaço. Vivo bem com o que o meu corpo me possibilita, e gosto de ser principalmente movimento e transformação. Talvez por isto, por esta consciência de existir no plano físico, eu seja tão ciosa do meu espaço. Não gosto quando as pessoas me tocam sem querer, como por exemplo nos transportes públicos ou em algum recinto cheio de gente. As pessoas por vezes circulam nos espaços como se fossem insensíveis ao toque, como se, efectivamente, os seus corpos fossem veículos de transporte, hermeticamente limpos e disciplinados, e nenhuma sensação não programada fosse registada. Não gosto da invasão do contacto indesejado. O toque só me dá prazer quando é mutuamente consentido, quando ambos os corpos se predispõem à comunhão de sensações. Fora isso, é como se fosse uma agressão. Nesse sentido, penso algumas vezes como seria ter de partilhar este espaço que é o meu corpo com outro ser, e qual seria a sensação física dessa "ocupação". Tenho curiosidade; pode ser que daqui a alguns anos possa experimentar...

sexta-feira, 25 de maio de 2007

A Onda Laranja

E porque me apetece, e ao fim de cinco anos de empenho a 100%, mereço, aí vem uma massagem ao ego, ao meu e aos das AMIGAS com quem partilhei desabafos, lágrimas, momentos inesquecíveis e outros que mais valia esquecer, gargalhadas até já não conseguirmos respirar. Àquelas amigas que trago no peito, as que estão perto e as que estão longe, as que adoro e com quem tenho o prazer de ter partilhado um período tão importante para a vida de todas nós... Muito obrigada por tudo, sejam muito felizes e que a vida vos sorria SEMPRE!
Estivemos lindas!! :))















Ainda muito frescas, as três fadas preparavam-se para a alaranjada tarde de sol que se avizinhava, posando, bem "pinantes", com o belo do óculo de sol...















Já as duas princesas, preocupadas em poupar-se para o desfile, continham as emoções, que seriam ainda bem fortes, e as gargantas, que seriam as mais afinadas da Academia...















E, como que a preparar-se para o derradeiro "embate", a Laranja unia forças e mostrava porque é que tem tantos fãs ali para os lados da Asprela...!















As amigas são como as cerejas, a seguir a uma vem sempre outra, e outra, e mais outra... Há lá doutoras mais fotogénicas?!















Depois de muitas horas ao sol, os ares "lambidos" eram inevitáveis, mas ninguém fugiu a tirar o chapéu a uma cidade e a uma Academia à qual tanto nos orgulhamos de pertencer... FPCEUP sempre!

sábado, 14 de abril de 2007

O verdadeiro desporto nacional

Desengane-se quem pensou que eu vinha hoje escrever sobre futebol. Não que não queira, ou não consiga, mas simplesmente porque descobri qual é, verdadeiramente, o desporto de eleição dos/as portugueses/as: falar de alguém.
Toda a gente tem uma opinião sobre toda a gente. Seja boa, seja má, seja principalmente má. Mas toda a gente tem uma apreciação a fazer sobre a vida de alguém, seja-lhe essa pessoa próxima ou desconhecida, seja essa pessoa a nossa vizinha do lado, alguém que só conhecemos das capas das revistas, ou alguém que dirige os destinos políticos nacionais.
É assim, neste país: temos sempre um juízo a fazer sobre o Outro, principalmente quando o Outro nos parece estranho, quando aquilo que o Outro faz/diz/pensa "abana" os alicerces da nossa existência "razoavelzinha". O humor é uma forma de lidarmos com a diferença (quem nunca deu por si a rir nervosamente perante alguma situação mais atemorizante?), tal como o criticismo. Porque, enquanto colocamos os/as outros/as em cheque, não estamos nós na berlinda. Enquanto ridicularizamos os/as outros/as, não damos espaço para a exposição dos nossos próprios podres.

Eu sei o que pensam de mim. Sei que, porque me visto "assim" ou uso o cabelo "assado", algumas pessoas simplesmente partem do pressuposto que vivo numa casa cheia de lixo até ao tecto, durmo num colchão atirado para um canto, ou sobrevivo à base de hamburguers e pizzas. Olham para mim, e simplesmente não me conseguem ver de joelhos no chão a lavar uma sanita, ou a aquecer a barriga no fogão durante duas horas para fazer algum prato mais elaborado, ou simplesmente a deitar-me de noite a pensar no que é que hei-de fazer amanhã para o almoço ou o jantar. Não imaginam que posso ter uma vida perfeitamente banal, com a qual qualquer mulher da minha idade se poderia sentir absolutamente entediada, e sentir-me feliz por isso. Que, lá porque sou estudante e vivo com o meu namorado sem estar casada com ele, a minha vida não é uma sucessão de bebedeiras, ganzas, noitadas e rambóia, sem espaço para o sucesso académico e para a construção das bases de um futuro profissional.
Não preciso que tenham pena de mim. Gostava apenas que as pessoas se esforçassem para ver um pouco além do "embrulho", porque é isso que eu também tento fazer todos os dias. Luto interiormente, contra os meus próprios preconceitos, para ir para além do primeiro olhar, do estereótipo, do cliché, do "ai coitadinha, deve ser mãe solteira" ou do "assim tão espalhafatoso, só pode ser bicha". Dói, e só nos apercebemos disso quando estamos "na montra", a ser observados/as e comentados/as.
Aos 19 anos, eu fiz uma opção de vida. Escolhi um caminho. Fiz aquilo que muita gente tem medo de sequer pensar em fazer, e que a maior parte dos/as jovens da minha geração não fará antes dos trinta. Fechei os olhos, respirei fundo, e fui em frente. Tive medo, chorei muito, muitas vezes tive vontade de desistir, mas segui sempre em frente, porque acreditei sempre (e continuo a acreditar) que fiz a opção certa, e que sofrer fazia parte de ser feliz. E fi-lo por amor. Não porque me obrigaram, não porque me aconselharam, não porque era o que "devia fazer". Fi-lo porque quis. E quem segue o seu coração, se não merecer mais nada, merece respeito.
Eu respeito quem o fez e quem o faz todos os dias, principalmente quando a vida nos encurrala e nos obriga a escolher. Porque um dia, quando isto tudo chegar ao fim, algumas pessoas poderão dizer de quem parte: "Foi honrado/a, nunca passou nenhuma vergonha". Mas as suas vidas terão sido vazias, vazias de risos, de lágrimas, de afectos, de aventuras, de descobertas, de beijos sinceros, de abraços doídos de saudade. Eu prefiro que digam de mim: "Foi feliz".

segunda-feira, 26 de março de 2007

Inesquecível

. "Pobrezinhos, mas honrados", não foi assim que nos ensinaram? Uma sardinha a dividir por seis, quem tinha sorte era quem ficava com a cabeça! Ah, e as sopas de cavalo cansado, a animar os meninos e as meninas antes da Escola?.. Belos tempos...
. A taxa de analfabetismo em Portugal é de 9%, ou seja, quase um milhão de portugueses são analfabetos. Portugal apresenta um elevadíssimo nível de iliteracia funcional que abrange 48% da população entre os 16 e os 65 anos de idade. Logo após a instauração da ditadura militar, o Decreto-lei nº 12425 de 2 de Outubro de 1926 reduzia a escolaridade obrigatória para 3 anos, alertando para os malefícios de um suposto excesso de instrução: “Atalhe-se a indigestão intelectual” – dizia-se – “ensine-se menos para se saber mais”. Recorde-se que a escolaridade obrigatória de 4 anos implementada pela I República, só meio século depois, em 1964, é ampliada para os 6 anos, e só nessa altura se torna obrigatória para os dois sexos. Antes disso, claro, não havia necessidade de mandar as meninas à escola. Elas seriam esposas e mães, nunca profissionais.
. A política externa do Estado Novo foi também brilhante: do equilíbrio peninsular medieval passa-se a um desequilíbrio peninsular. A primeira tomada de posição em matéria de política externa data de 1935 (quase 10 anos depois da implantação do regime), com a crítica ao parlamentarismo internacional do SDN que considera o centro político continental e em contraponto a afirmação da vocação atlântica de Portugal e o alheamento português das questões centro-europeias; a revalorização dos princípios tradicionais de política externa portuguesa com a reafirmação da Aliança Inglesa e da Amizade Peninsular; e finalmente a defesa intransigente do Império Colonial. E serão essas mesmas constantes históricas e linhas de orientação estratégica que persistem no pós Guerra e presidem às posições internacionais de Salazar que parece não compreender ou pelo menos não aceitar a emergência de uma nova ordem internacional. Em primeiro lugar, o declínio da Grã Bretanha e a emergência dos Estados Unidos da América como nova potência marítima que só vem a reconhecer com a estrada na NATO. Em segundo lugar, a desconfiança que tivera em relação ao assembleirismo de SDN volta a manifestar-se em relação à ONU como nova a organização internacional de vocação mundilal. Em terceiro lugar, não compreende que a reconstrução da Europa não podia mais fazer-se num quadro nacional e que teria que fazer-se, necessariamente, num quadro de cooperação internacional. Finalmente não compreende e não aceita o princípio e o direito dos povos a disporem de si próprios, dominante na Assembleia Geral da ONU, e recusa liminarmente a descolonização.
. A propósito de descolonização... Foram 9.196 mortos, entre 1958 e 1975: ÍNDIA - 8 mortos, CABO VERDE - 6 mortos, GUINÉ - 2.339 mortos, MOÇAMBIQUE - 3.015 mortos, ANGOLA - 3.828 mortos. Filhos/as que nunca conheceram os pais, pais que nunca puderam enterrar os filhos.
. Palavras de João Faria Borda (já falecido), um homem que passou dezasseis anos e três meses no Campo de Concentração do Tarrafal, que foi uma das mais sinistras criações do regime a que o 25 de Abril de 1974 pôs termo (in http://a_verdade_da_mentira.weblog.com.pt/ arquivo/097809.html):

«O campo de concentração era um rectângulo (cerca de 250m por 180) situado num dos sítios mais insalubres do arquipélago de Cabo Verde. Como alojamento existiam umas barracas de lona onde eram metidos cerca de 12 presos em cada uma. As casas de banho não existiam. Havia apenas uns sanitários – toscos muros de tijolo com uns buracos no chão e umas latas de gasolina para as necessidades. Como cozinha existia um telheiro com uns muros por onde a poeira entrava aos montes. Dois indígenas faziam a comida. A alimentação era péssima – havia ocasiões em que era necessário pôr bolas de algodão no nariz pois o cheiro da comida impedia que ela entrasse no estômago. Não havia água potável. Só existia água num poço a cerca de oitocentos metros do campo, água salobra que os presos transportavam em latas de gasolina. Mesmo assim era má e em pequena quantidade, não chegando para a higiene. Tomava-se banho com um único litro de água despejada de uma lata onde eram feitos uns buracos para o efeito.»
«O primeiro director do Tarrafal foi Manuel Martins dos Reis, capitão gatuno e paranóico, vindo da Fortaleza de Angra do Heroísmo. Este director “entretinha-se” a roubar as coisas que os familiares dos presos, com sacrifício, mandavam, desculpando-se que tudo aquilo era enviado pelo Socorro da Marinha Internacional. Chegou mesmo a montar uma pseudo cantina onde vendia as coisas roubadas.
Mal desembarcámos começámos imediatamente a trabalhar. Transportávamos pedras, sob vigilância constante dos guardas. Em Cabo Verde, região de clima variável, calhou chover bastante nesses anos. A lona das barracas apodreceu de tal maneira que lá dentro chovia como na rua e de manhã acordávamos com a cara negra da poeira que se pegava à humidade que sobre nós caía. As águas acumuladas formavam pântanos onde se desenvolviam mosquitos transmissores do paludismo. A saúde de todos nós, presos, arruinava-se. Caíamos atacados da doença chamada biliose. Sem fornecimento de medicamentos e com um médico que era um patife da pior espécie, em poucos dias morreram sete camaradas. Em cerca de uma média de 200 presos era vulgar, em certas alturas, apenas dez andarem a pé.»
«Os escândalos da actuação do primeiro director levaram à demissão deste. Foi substituído por João da Silva, acompanhado pelo fascista Seixas. Estávamos em 1938/39. A guerra civil espanhola terminava com a vitória do fascismo. O ditador português Salazar tinha contribuído, apoiando com o envio de géneros alimentícios e de homens, os quais ficaram conhecidos pelos Viriatos. Hitler tinha subido ao poder em 1933. Na Itália existia Mussolini. A situação no campo do Tarrafal, reflexo da situação política internacional caracterizada pela ascensão do fascismo, agrava-se terrivelmente. João da Silva dizia frequentemente: “Quem está aqui é para morrer!”. Com este director começou a funcionar sistematicamente a célebre tortura conhecida por “frigideira”. Todos os dias eram para lá atirados presos e eu também por lá passei algumas vezes.»
Acho que vou emigrar...

domingo, 11 de março de 2007

Às vezes...

... dou por mim tão tensa, que tenho os ombros encolhidos até às orelhas.

... dou por mim tão cheia de trabalho, que chego ao fim do dia e nem me lembro de como passou todo aquele tempo desde que acordei. É como se tivesse passado o dia em piloto-automático.

... dou por mim, já deitada, a pensar em tudo aquilo que me espera no dia seguinte, e sinto uma moínha no estômago.

... dou por mim tão cansada, que nem consigo dormir. E, quando finalmente consigo, passo a noite a acordar.


São dores de crescimento.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Sim

Pela autodeterminação sexual e reprodutiva das mulheres.
Porque todas as crianças têm direito a ser profundamente amadas, todos/as os/as filhos/as têm direito a ser desejados/as, e todos os pais e todas as mães têm o direito e o dever de se sentirem preparados/as para o ser.
Para que não ouçamos a história de mais nenhuma criança assassinada por aqueles/as que não a souberam amar, nem de mais nenhum/a recém-nascido/a deitado/a ao lixo.
Contra séculos de exclusão da vida cívica e política e de leis feitas por homens contra as mulheres.
Contra a humilhação das mulheres em praça pública e perante um tribunal.
Pelo direito ao aborto como reivindicação democrática e cidadã.
Eu voto "sim".

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

In my lair

Such things go on in my lair...



Me making Peaches do silly faces, com a vaca Margarida a espreitar ao cantinho...

O meu amor e a minha princesa Junior, à média luz...


Imelda Marcos...?



Luna à mesa, à espera de ser servida...



Luna, a gata mais culta do mundo, descansa depois do intenso esforço intelectual...

sábado, 13 de janeiro de 2007

A Barbie

Sou uma Barbie Girl. Tive algumas Barbies, não muitas, algumas; talvez aí umas três. Não tinham grande especificidade, lembro-me que uma era uma Midge (que é amiga da Barbie, é ruiva e ligeiramente mais morena de pele) e outra era uma Barbie Penteados, com um cabelo ondulado até aos pés, que eu cortei pela cintura ao fim de alguns meses de companheirismo. Também nunca tive muitos acessórios da Barbie; tive um salão de beleza (com espelho, sofá e suporte giratório - para a boneca, claro) e, mais tarde, a minha irmã teve um Ken e um jipe com atrelado. Brincávamos "às casas", que espalhávamos por toda a sala, e que "construíamos" com o tributo de outros brinquedos.
Brinquei com Barbies até bastante tarde, acho eu, penso que a última vez que terá acontecido eu devia ter uns 13 anos. Tenho uma irmã mais nova que eu três anos e meio, o que contribuiu para me sentisse até tarde inspirada para brincar, às Barbies ou a outra coisa qualquer. Normalmente, brincávamos "às Escolas"; escusado será dizer que eu era sempre a professora, e as nossas brincadeiras costumavam envolver bastante aparato, incluíndo figurinos e um décor bastante alargado. Éramos muito teatrais, e as brincadeiras duravam, por vezes, vários dias.
Há alguns dias, debrucei-me a pensar sobre o que é a Barbie. A Barbie é a materialização da "mulher ideal": é branca, é loura, tem olhos azuis, tem o peito saliente, a cintura bem definida, as pernas altas e esguias. E sorri, sorri sempre; a Barbie nunca chora, nem sequer está triste, melancólica ou pensativa. E é assexuada. Tem peito, mas não tem orgãos genitais. O Ken também não. Se olharmos com atenção, a "área genital" da Barbie é pouco mais ou menos igual à do Ken. O que quer isto dizer?
Além de Barbies, também tive um Nenuco. Ou uma Nenuca, se quiserem, tinha cabelos pela altura dos ombros, louros aos caracóis, e trazia um vestido branco e rosa. A minha irmã também teve um, mas o dela era careca, e trazia um baby-grow (já não me lembro da cor), portanto mais ou menos sexualmente neutro. O que faz dos bonecos (e de nós) meninos ou meninas? O comprimento do cabelo? A cor da nossa roupa?
A minha mãe é educadora de infância e, há algum tempo atrás, fui com ela a uma loja onde vendem artigos de suporte pedagógico (jogos, tintas, mobiliário...), entre os quais bonecos do tipo dos Nenucos. E foi uma revelação: havia brancos, negros e asiáticos; de cabelos louros, castanhos, pretos, escorridos, frisados e encaracolados, meninos e meninas, com vulvas ou pénis, e despidos. Incrível, pensei. A democratização dos brinquedos, ou pelo menos um passo nesse sentido.
Falo disto, ainda que pareça a despropósito, na sequência de uma troca de opiniões acerca daquilo que (supostamente) são "brinquedos de rapazes" e "brinquedos de raparigas". Nunca tive uma bola de futebol, mas tive uma de basket, outra de volley e uma raquete de ténis. Tive patins e bicicleta, e practicamente todos os anos da minha vida escolar participei no Desporto Escolar, representando a(s) escola(s) em torneios de futebol, andebol, basket e atletismo. Nunca tive uma pista de carros, mas tive uma consola (da Nintendo), para a qual, aliás, me ofereceram um jogo da Barbie. Apesar de, aparentemente, ter tido acesso a "brinquedos de rapazes" e "brinquedos de raparigas", não conheço nenhum rapaz que tenha brincado com bonecas (durante muito tempo e sem que isso tenha causado nos pais algum tipo de apreensão) ou a quem tenham oferecido um estojo de beleza ou utensílios de cozinha. Se houver algum, que se chegue à frente, por favor, preciso mesmo de ser contrariada nesta percepção.
Não me lembro de alguma vez me ter sentido, ou de me terem feito sentir, desconfortável com as minhas opções de ocupação dos tempos livres; penso que nunca me chamaram "maria-rapaz", mas mesmo que tivessem chamado, tenho a ideia de que é um estigma muito menos penalizador e permanente do que chamar "maricas" a um rapaz. A sociedade espera que a rapariga ultrapasse esse tipo de opções menos femininas (dizem "Isso passa, com a idade"), enquanto que um menino que tenha mostrado predilecção pelas bonecas em detrimento das bolas de futebol, é "maricas". Portanto, é efeminado. E gay.
Aquilo com que brincamos tem algum papel na definição das nossas capacidades cognitivas e da(s) nossa(s) identidade(s)? Julgo que ninguém terá problemas em aceitar que ter oportunidade de construir puzzles, encaixar peças segundo o seu formato, cor e tamanho, ou exercitar o raciocínio em jogos de estratégia contribui para que a nossa capacidade intelectual se desenvolva, seja em que áreas for. Porque terão, então, as pessoas tanta dificuldade em pensar que não oferecer uma pista de carros ou um gameboy a uma menina ou não oferecer uma boneca ou uma vassoura e uma pá a um menino poderá representar uma falha para o seu pleno desenvolvimento sócio-emocional? Terão os pais e as mães medo de que os seus meninos sejam menos meninos que os outros? Que, por brincarem com bonecas, venham a ser socialmente incapazes de se afirmarem enquanto homens, em adultos? O que é um homem? O que faz um homem? E, já agora, o que não faz?