sábado, 20 de maio de 2006

As pessoas das nossas vidas

As pessoas que melhor nos fazem são aquelas que têm a capacidade de nos fazer sentir competentes e incompetentes, na(s) altura(s) certa(s). Tive essa experiência pela primeira vez quando tinha 14 anos. Tinha uma amiga e um amigo, ela pouco mais nova que eu, ele alguns anos mais velho, com quem partilhei muitas experiências significativas, que ainda hoje recordo, com embaraço e ternura, conforme a disposição.
Ela, sendo mais nova, era também menos experiente, em diversos aspectos da vida, e reconhecia-me competência, pedindo-me conselhos e desabafando as angústias próprias daquela idade da vida que pensamos nunca mais terminar. Muitas vezes nos sentávamos no quarto dela, manhãs e tardes dentro, despindo as convicções de meninas e vestindo as inseguranças de mulheres, e eu sentia-me sempre sábia, sempre capaz, sabia sempre o que dizer e quando, e a confiança dela em mim validava-me e ia-me permitindo novas vitórias.
Ele, sendo mais velho, relembrava-me constantemente (na maioria das vezes até inconscientemente, parece-me) da minha incompetência, desafiando-me, explorando as minhas fraquezas e desconstruíndo as minhas certezas, fazendo-me sentir excluída, obrigando-me a procurar novos lugares, novas brechas de entendimento e aceitação. Relativizava as minhas lágrimas, mas também os meus sorrisos, e perguntava-me sempre "porquê?".
Hoje, alguns anos depois, perdi quase completamente o contacto com estas duas pessoas, mas penso que elas são também um pouco daquilo que eu sou hoje, com as minhas competências e incompetências, e ainda bem que assim é: quero sempre saber e desconhecer, (des)construir e ser (des)construída, porque a vida é longa demais para passarmos por ela pensando, ou que já sabemos tudo, ou que nunca vamos conseguir nada...
Hoje, alguns anos depois, tenho na minha vida uma pessoa que concilia, na sua relação comigo, estes dois aspectos, e penso que essa é uma das chaves para que possamos continuar juntos, face às mais diversas vicissitudes: não tenho a ilusão de dizer que me completa, ou que é a minha outra metade, porque isso é sempre redutor. Posso apenas dizer que me faz sentir válida e inútil, e tem o entendimento necessário para me provocar estes sentimentos na altura certa, sem eu perceber muito bem como, e de me dizer, muitas vezes sem palavras, que já sou, mas posso ainda vir a ser muito mais. E não será isso também o amor...?


segunda-feira, 8 de maio de 2006

Mapas

Mapa de mim, para que me saibas,
Me vejas nas brumas do que sou,
Me desvendes nas solidões e nas lágrimas.

Mapa de mim, para que me alcances,
Me toques no corpo e na alma,
Me beijes as feridas de ti.

Mapa de mim, para que me ouças,
Me sintas o coração gritar,
Me percebas num sopro de adeus.

sábado, 6 de maio de 2006

Sobre os nomes das coisas

Há algum tempo atrás dediquei-me a um diálogo sobre a importância dos nomes das coisas. Será que a identidade das pessoas, dos objectos, dos fenómenos se altera conforme a designação oral/escrita que lhes atribuímos e se torna mais ou menos socialmente aceite?
Seria eu outra pessoa se me tivessem dado outro nome? Fará sentido falar-se sobre o significado dos nomes?
O que são as coisas sem os nomes? Existirão realidades onde as palavras não façam sentido e as coisas se valham por si mesmas?
Enfim... Penso muito sobre isto e, quanto mais penso, mais acho que as coisas também são os seus nomes. Quantos e quantas de nós não terão já dado por si a verem-se retratados/as num estudo sobre o significado do seu nome? Quem conseguirá ainda projectar na sua mente um qualquer objecto/fenómeno/pessoa sem lhe associar imediatamente determinada designação e não outra?
Fará sentido achar que atribuir a determinada realidade uma outra designação altera a sua essência? Penso que esta reflexão faz especialmente sentido quando se fala daquilo que comumente se designa "masculino universal neutro".
Fará sentido abordar os elementos de uma turma como "os alunos" quando estamos perante uma plateia composta em 90% por mulheres? Fará sentido utilizar designações como "os sociólogos", "os psicólogos" e outras que tais, quando está mais do que provado que a população estudantil e profissional na área das Ciências Sociais e Humanas é maioritariamente (uma maioria ampla...) composta por mulheres?
Quem designou que o masculino seria "universal" e "neutro"? Haverá alguma neutralidade nesta decisão, como em tantas outras escolhas?...

sexta-feira, 5 de maio de 2006

O princípio

Narrativa do Corpo
O que serás de mim? Princípio, meio ou fim?
Parte, parto, porto.
Lunar, solar, tu, eu, nós em mim?
Somos duas, somos soma, mais que nós.
Corpo partido, somado e dividido, tantas vezes um, tantas vezes dois... quantas vezes eu?
Corpo parido, parado, sofrido, salgado e sumido, vincado de mim.
Escondo-me de ti, escondo-te em mim,
Não te sinto, não te sei; não te quis e não te amei.
Onde vamos? Para quem és?
O que serás de mim? Princípio, meio ou fim?