sábado, 1 de julho de 2006

Carta - Parte I

Saíndo um pouco daquilo que tem sido a regra deste blog, a publicação de textos originais e anteriormente desconhecidos para os/as seus/suas leitores/as (todos os/as três ou quatro...), resolvi publicar um texto que já foi escrito há alguns meses atrás, mas para cuja publicação me senti especialmente inspirada depois da visita a um blog muito interessante... São excertos do meu texto original, que está ainda em processo de construção, como poderão perceber, e que não sei ainda quando (se...) será concluído...


«Meu filho, sou a tua mãe. Tenho 21 anos e dois meses, mas, quando tu nasceres, não vais poder olhar para mim como sou agora, mas apenas como serei quando te puder dar à vida. Não serei certamente, nem aquilo que julgo ser agora, nem o que sonho vir a ser. Serei aquilo que a vida fizer de mim até lá, e serei a tua mãe.
Agora que me sento a pensar em ti, gostaria de ter começado a escrever-te mais cedo, porque gostava que me tivesse conhecido para além deste relato. Gostava que um dia, quando tiveres idade para te identificares com o que aqui escrevo, tivesses possibilidade de me idealizar como uma pessoa, uma identidade, e não "apenas" a tua mãe. Todos chegamos a uma altura na vida em que aprendemos a olhar os nossos pais como pessoas, tal como nós, mas hoje, que me sinto capaz de o fazer em relação aos meus pais, penso que tudo seria mais fácil, para nós e para eles, se essa capacidade surgisse mais cedo. Se os pais pudessem, por vezes,
ser menos pais e mais pessoas. E é assim, filho, que gostava que me pudesses ver: a rir, a chorar, a pensar, a viver, e não apenas a ser a tua mãe. Gostava que soubesses que, antes de tu nasceres, eu fiz muitas coisas, entre as quais amigos, asneiras, viagens, aprendizagens, e que tive uma vida cheia (...).
Depois de tu nasceres, filho, espero poder vir a fazer e a ter ainda mais, mas nunca mais voltarei a ter e a ser aquilo que tenho e sou agora, tal como neste momento já não sou aquilo que era quando tinha 16 anos... Enfim, como tu um dia hás-de saber, viver é perder e ganhar, e quando tu
nasceres, eu terei perdido aquilo que sou hoje, mas terei certamente ganho outras identidades. Filho, gostava que soubesses que, por vezes, perder pode ser tão bom como ganhar. Perder ensina-nos a lutar e a mantermo-nos abertos e atentos aos sinais que a vida nós dá. Às vezes, como hás-de perceber, as maiores conquistas surgem depois de grandes perdas. E é assim que nos vamos construíndo e aprendendo quem somos.
Escrevo-te agora estas palavras porque tenho medo de um dia, quando precisares de as conhecer, eu não tenha coragem de tas dizer. Porque, nessa altura, tenho medo de estar demasiado ocupada a querer ser tua mãe, e de me ter esquecido de continuar a ser a pessoa esclarecida e aberta que julgo ser agora. Temo esquecer-me que um dia desejei ter a capacidade de te dar asas e ajudar-te a preparares-te para ser uma pessoa completa, íntegra, humana, sabendo que só serás feliz quandos fizeres as tuas próprias aprendizagens e descobrires o teu próprio caminho. Espero que, lendo estas palavras, venhas um dia a perdoar-me por querer viver por ti, por te obrigar a seguir um percurso que não é o teu, porque assim saberás que, embora eu te tenha magoado (porque, de certeza, o farei), o que desejo para ti é o melhor, e só quero que um dia venhas a encontrar-te e a saber quem és, porque é isso que realmente importa na vida.
Não tenho sonhos para ti, filho. Não quero com isto dizer que não te desejo ou que não te amo, mesmo agora, que ainda não passas de um anseio meu. Quero apenas que saibas que não tenho expectativas em relação àquilo que hás-de ser: não quero que sejas loiro ou moreno, que tenhas olhos castanhos ou azuis, que sejas alto ou baixo, que venhas um dia a ser médico ou polícia. Quando penso em ti, agora, e te desejo na minha vida, não é isso que ocupa o meu pensamento: quero apenas ter a capacidade de te proporcionar uma infância feliz, porque isso é o fundamental e só isso te permitirá vir a ser uma pessoa boa e viveres a tua vida de modo a tornares-te uma pessoa realizada.
A memória mais antiga que tenho da minha vida é muito feliz: estou em casa dos meus avós, com o meu avô, e finjo preparar comida que lhe dou a provar. Tinha dois anos. Passam agora quase um ano e dois meses desde que ele, o meu avô João, o teu bisavô que hás-de apenas conhecer através dos relatos de quem o amou e teve a benção de o conhecer, morreu. Sinto muitas saudades deles e sinto muita falta da presença dele na minha vida, mas sinto-o muitas vezes bem perto e recebo dele muitos sinais que me fazem sentir que, de alguma maneira, ele continua por aí a olhar por mim. Gostava que, pelo menos nesse aspecto, pudesses ser como eu fui: pudesses ter a vida cheia de histórias doces de criança. Que pudesses (...) ouvir contar histórias de outros continentes, de outros tempos, de grandes viagens, daqueles que foram antes de ti e que, sem saberes, te legaram muito daquilo do que és hoje.
Uma das razões pelas quais tenho algum receio de pensar em ter-te, filho, prende-se com essa incerteza de saber se vou conseguir proporcionar-te aquilo que desejo para ti nesta etapa tão importante da tua (e da minha) vida: gostava que, quando fosses adulto, pudesses olhar para trás e pensar na tua infância como um período feliz, e pudesses lembrar-te de mim como um elemento presente e activo dessas memórias. Queria poder garantir que serás uma criança equilibrada e que nunca sentirás a minha falta (...), porque o que mais desejo (...) é poder acompanhar-te, ver-te crescer e estar presente nos momentos importantes da tua vida. Assim, filho, só peço a Deus que me permita essa disponibilidade, porque acho que uma das coisas mais tristes do mundo é um pai ou uma mãe que não conhece os seus filhos. Quero muito conhecer-te e quero também muito que me conheças e saibas que, aconteça o que acontecer, vou querer sempre fazer-te tão feliz quanto estiver ao meu alcance. (...)»




1 comentário:

a mãe dos miúdos disse...

o que eu gostei de ler isto...