sexta-feira, 22 de setembro de 2006

Gata e cães

Hoje escrevo sobre uma gata e três cães. A Luna, o Titan, o Puskas e o Jimmy.
Tinha oito anos quando adoptei o Titan. Lembro-me perfeitamente, como se estivesse agora a passar-se aqui à minha frente, do dia em que o fui buscar. Era uma bolinha de pelo, malhado de castanho e preto, uns olhos pretos como dois berlindes. Nessa noite, mal dormi, só queria olhar para ele e brincar com ele. Dormia num caixote de cartão, na cozinha, e o meu passatempo favorito era dar pancadinhas na borda do caixote, e lá ele levantava a cabecita e vinha empoleirar as patas no sítio onde eu tinha batido. Era um Serra D'Aires, um cão pastor, e, já mais crescido, sabia muito bem aquilo que lhe pertencia. Quando alguém me pegava ao colo, e ele andava nas redondezas, não gostava. Rondava a pessoa, arranhava-lhe as pernas com a pata e, se isso não fosse suficiente para que me pusessem no chão, rosnava. Nunca foi daquele tipo de cão que gosta de brincar com a bola: depois de lha chutarmos, bem podíamos ir à nossa vida, porque ele parecia não perceber a lógica, parecia pensar "Então, chutaste-me a bola, agora é minha, o que é que queres mais?". Lembro-me do meu espanto quando descobri nele aquele reflexo de dar à pata traseira quando lhe fazíamos festas numa determinada zona debaixo da pata dianteira; passou a ser o meu novo entretenimento. Passava horas nisto, e a pedir-lhe a pata (que dava sempre, às vezes mesmo sem lha pedirmos, lá estava ele de pata no ar) e a fazer-lhe juras de companheirismo. O Titan morreu faz, em Dezembro, dois anos. Faria 13 anos daí a dois meses.
O Puskas foi adoptado cinco anos depois. Foi oferecido, acabado de nascer, a uma prima, que, não o podendo manter, o deu à minha tia, que, por sua vez o remeteu aqui para casa. Quando o fomos buscar, veio dentro da tampa de um daqueles caixotes das resmas de papel, porque era tão pequenino que não precisava de mais. A mãe era vadia, teve a ninhada perto de uma casa, e a pessoa pegou nos cachorros e deu-os, por ter pena de os ver crescer abandonados. Parecia mesmo um ratinho, amarelo e de olhinhos fechados. Depressa quis fazer ver que, dentro daqueles "invólucro" minúsculo, havia um leão em potência, e tomou conta aqui de casa, incluíndo móveis (alguns deles mantém, ainda hoje, a marca da sua passagem) e o "irmão mais velho", que às vezes preferia fugir a enfrentá-lo. Era o "ai jesus" da família, o meu avô até tinha o hábito de levá-lo a passear dentro de um saco daqueles de ir às compras ao mercado. Há cerca de cinco anos, mais ou menos, começou a paralisar nas patas traseiras na altura do frio. Quando a manhã surgia mais fresca, ele sentava-se à porta da cozinha, e lá ficava, a tremer, sem se conseguir mexer. No veterinário, descobrimos que tinha uma hérnia discal, em virtude de ser muito comprido para a altura que tem. Depois de algumas semanas de tratamento com cortisona, lá melhorou, mas, invariavelmente, chegando o frio, volta a paralisia. O veterinário explicou que se vão formando hérnias discais novas, porque as antigas vão solidificando, e que operar pode não resolver nada, porque pode paralisá-lo definitivamente. Apesar da mobilidade dele se ter vindo a deteriorar, a verdade é que nunca se deixou ficar a um canto. Aliás, às vezes faz até impressão, porque quer correr, apesar de ter muita dificuldade em equilibrar-se em movimento, e acaba por arrastar-se. Mas incha, desincha e passa. Agora já não é só um leão em potência, é um verdadeiro leão, cheio de coragem e genica, e, desde que o Titan morreu, é ele que comanda as hostes por aqui.
O Jimmy faz parte da família há quatro anos. É um Retriever do Labrador, e acho que isso já diz muita coisa. É como uma criança pequena; aliás, eu acho que, na cabeça dele, ele continua a ser um cachorrinho recém-nascido, apesar de pesar mais de 50 quilos e atirar qualquer um/a ao chão. É preto, mas tem uma particularidade, porque tem algumas manchas brancas, como uma que parece uma gravata, porque fica mesmo na zona do peito e algumas nas patas, como se tivesse andado na farinha. Quando veio cá para casa, era uma paródia, porque alternava fases de actividade eufórica com fases de sono profundo, em que até o podíamos virar de cabeça para baixo, porque era como se estivesse em coma. Tudo para ele é brinquedo, mas a predilecção dele vai, de facto, para a bola. Já teve mais de vinte, neste momento tem quatro, mas a todas dá privilégios de "filha única", basta que alguém tropece numa, ainda que acidentalmente, e lhe imprima algum movimento; é o suficiente para, se quisermos, o mantermos ocupado durante horas. Mas, quando digo horas, é mesmo "só pára quando cair para o lado", e, mesmo assim, já várias vezes o vi a espumar, a arfar e a tossir (mais cinco minutos e tinha um enfarte) e só parava de correr a ir buscar a bola se a escondêssemos. O último passatempo de eleição é "roer-nos" o braços: abocanha-nos os pulsos e finge que morde, mas apenas o suficiente para nos barrar de baba radioactiva.
A Luna é a minha gata. Só posso falar da experiência de "ter uma gata", porque só tive e tenho esta, e é o meu primeiro animal de estimação, porque aos cães refiro-me como sendo dos meus pais. Nasceu por volta do dia 27/Agosto de 2004, e adoptei-a a 7/Novembro; foi o seu primeiro dia comigo. Antes disso, já era minha. Aliás, antes de nascer já tinha nome, e tinha mesmo que ser minha, porque tem uma manchinha branca em forma de lua no lombo (em pequenina era mais definida, agora está a transformar-se numa lua de arte abstracta). Quando ela chegou lá a casa, eu não conhecia o cheirinho característico dos gatos bebés, e enfiava o nariz na cabecita dela para a cheirar e era como se me invadisse uma sensação de bem-estar. Logo desde o início, ronranava sem sequer lhe tocarmos, e ainda hoje é assim, basta começarmo-nos a aproximar e a falar para ela e liga logo a "pilha". Aprendeu a ir ao caixote logo na primeira noite, não sei como, e desde então só nos pregou partidas duas ou três vezes. Dormia sempre a seguir ao almoço, estendida no sofá e eu pegava nela ao colo e ficava a admirá-la, a tocar-lhe, a reconhecer-lhe o corpo, e ela nunca acordava.


Depressa aprendeu as "turras" (que às vezes nos aplica com bastante intensidade), a responder ao nome (mesmo que esteja deitada, mexe as orelhas se ouve o som do nome dela) e a miar muito, muito, imenso, e nós a miar em resposta (hoje arrependemo-nos um pouco desta parte...). Gosta de dormir em cima da roupa lavada, mas qualquer tipo de roupa serve, principalmente aquela que nós colocamos em cima da cama para vestir daí a dois minutos. E de sacos, qualquer tipo de saco, de plástico ou de papel, e de ficar lá dentro, muito quietinha, até alguém se aproximar, e aí encarna o "monstrinho do saco". E de se agarrar aos nossos braços com as patas dianteiras, enquanto nos abocanha a mão e dá "coices" com as patas traseiras. E que coloquemos a mão a alguma altura na parede (de preferência sem qualquer intenção de brincar com ela); coloca-se por baixo dela, em posição de tomar impulso, arregala muito os olhos e salta para a apanhar.


O que ela não gosta é que a gente fale alto; morde-nos e refila. E de Whiskas de sardinha. E que confundamos o tempo de exercitar o felídeo selvagem que existe dentro dela com tempo de brincadeira; cada coisa no seu lugar!
Há quem diga que os gatos não são animais de estimação, porque são demasiado independentes e nos usam. Eu, que já tive três cães e agora tenho uma gata, penso poder afirmar que sou o tipo de pessoa que prefere os gatos. Os gatos sabem ser carinhosos (com quem lhes inspira carinho), mas não nos vêm lamber a mão depois de lhes darmos uma palmada. É essa, para mim, a principal diferença entre cães e gatos.


1 comentário:

pgp disse...

Não haja dúvidas: é a monstrinha mais fofinha do mundo, a nossa kikas :)