sábado, 23 de setembro de 2006

Für Demian

"E ela falou-me de um rapaz que se enamorara de uma estrela. De pé, junto ao mar, ele estendia os braços e orava à estrela; sonhava com ela e dirigia-lhe os seus pensamentos. Todavia, ele sabia, ou julgava saber, que um corpo celeste não poderia ser abraçado por uma pessoa. Considerou ser destino seu, sem qualquer esperança de realização, amar um astro. Assim, partindo desta ideia, criou um modo de vida de renúncia e sofrimento, silencioso e fiel, que havia de torná-lo melhor e de purificá-lo. Os seus sonhos, porém, eram todos dirigidos à estrela. Certa vez, de novo junto ao mar, estando no cimo da escarpa elevada, olhava a estrela, ardendo de amor por ela. Num momento de maior anseio, deu um salto e arremessou-se para o vazio, em direcção ao astro. No entanto, no momento de formar o impulso, num relâmpago, ainda pensou: na realidade, isto é impossível! Lá no fundo, sobre a praia, estatelou-se, ficando aniquilado. Ele não sabia amar. Se, no momento do salto, tivesse tido força interior para acreditar, firme e inabalavelmente, na sua concretização, voaria para o alto e ter-se-ia unido à estrela.
(...)
Noutra altura, porém, propôs-me outro conto. Tratava de um enamorado que vivia sem qualquer esperança. Fechara-se totalmente na sua alma, julgando-se abrasado de amor. Para ele, de súbito, o mundo deixou de existir: já não via o azul do céu nem o verde da floresta não ouvia o regato murmurar, a arpa não era melodiosa. Tudo se desfizera e ele ficara pobre e miserável. O seu amor, contudo, ia crescendo, e ele preferiria morrer e degradar-se a renunciar à posse da linda mulher que amava. Nisto, deu-se conta de que o seu amor devorava tudo o mais no seu íntimo e adquiria vigor, e atraía, atraía. E a bela mulher, não podendo resistir, aproximou-se; ele aguardava-a de braços abertos, para a apertar contra si. Mas, no momento em que ela se encontrava perante ele, estava completamente transformada e, num arrepio, sentiu que atraíra a si todo o mundo, antes perdido. Ela estava diante dele e entregou-se-lhe; o céu e a floresta, o regato, tudo veio ao seu encontro, em cores brilhantes, maravilhoso: pertencia-lhe e falava a sua linguagem. E, em lugar de conquistar somente uma esposa, o seu coração abarcara o mundo inteiro, e cada estrela do céu cintilava dentro dele, irradiando energia de vida na sua alma... Ele amara e encontrara-se por meio desse amor. A maioria das pessoas, pelo contrário, ama para por ele se perder."


Hermann Hesse (1925)


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