sexta-feira, 17 de novembro de 2006

Conquistas da Vida Adulta, ou a Descoberta do Mérito Próprio

Tenho 22 anos e ainda não saí "debaixo da asa" dos meus pais. Está certo que já não moro em casa deles desde Setembro de 2002, e que, neste momento, vivo a cerca de 300 km de distância da casa-mãe, mas, tecnicamente (digamos, no que ao aspecto financeiro da questão diz respeito), eles sustentam-me. É verdade, assumo: tenho 22 anos e vivo à custa dos meus pais. Com a minha idade, a minha mãe estava a iniciar a sua vida profissional (concluído o curso superior) e o meu pai, enfim, tinha deixado de estudar no 6.º ano, já há muito que se sustentava a ele próprio. Namoravam e casariam daí a um ano. Com a minha idade, a minha avó já era casada e mãe da minha mãe. E eu aqui estou. Por vezes sinto-me um pouco condenada à condição perpétua de estudante, e agora que estou quase a acabar a Licenciatura (no início do quinto e último ano de percurso), imagino cada vez mais que nunca vou poder realmente deixar os bancos da Faculdade, seja por causa da progressiva desvalorização dos graus académicos (é quase como se estivéssemos sempre a correr dois passos atrás das decisões políticas...), seja porque me sinto cada vez mais a cumprir o meu destino, e sinto que é esta a minha casa. Quem dera.
Por vezes, esta condição angustia-me. O corpo pede-me mais, a cabeça pede-me mais, a vida pede-me mais. Daqui a 20 anos, possivelmente, terei saudades destes dias-como-tardes-preguiçosas-de-Verão, mas hoje vivo na falta do que (ainda) não tenho. E no sobressalto de não ter tempo de o ter. Principalmente desde que o meu avô morreu, esta coisa do tempo (ou da falta dele) ocupa o meu pensamento desde que me levanto até que me deito, e dou por mim, muitas vezes, a pensar "Que horror, nunca vou ter tempo para fazer isto ou aquilo". E tenho 22 anos.
Pesem embora as aflições financeiras e crono-biológicas, a vida adulta trouxe-me outras descobertas menos penosas, como seja o mérito próprio. Quando era criança, e como muitas crianças da minha idade (principalmente aquelas que teriam, pela primeira vez na história das suas famílias, verdadeiras oportunidades de sucesso académico), a minha vida era mais aquilo que se passava na escola do que fora dela, e os meus méritos eram esses, aqueles que vinham sob a forma de "bons" e "muito bons" e muitos certos redondinhos desenhados a vermelho no caderno diário. Mas as minhas conquistas eram mais importantes para aqueles/as que as viviam comigo, principalmente os meus pais, e até eles as viviam de forma distinta entre si: para a minha mãe, era sempre bom, mesmo quando era mau; para o meu pai, era sempre mau, mesmo quando era bom. É a diferença entre viver para os/as filhos/as ou viver através dos/as filhos/as, entre sabermos que temos algo para lhes dar ou só querermos que eles/as sejam melhores do que nós fomos.
Entretanto, e alguns anos depois, a verdade é que continuo na escola, e os meus méritos continuam a ser maioritariamente académicos, mas já de outra natureza, e nesse aspecto penso que tive sorte. Estou num curso que me ensinou a "des-pensar": entrei para lá a pensar que sabia tudo, e agora, saio de lá a saber de facto algumas coisas e a ter a certeza de que a maior parte do que "sabia" quando para lá entrei...era basicamente lixo intelectual e ideias feitas. Se este não é o mérito do Ensino Superior, o de ensinar os/as seus/suas alunos/as a nunca deixarem de pensar, mesmo sobre aquilo que assumem como certo, não sei qual será...
E hoje, aquilo que tenho de que me orgulho é meu, fui eu que conquistei, para mim. Onde circulo, não sou "filha de cicrano/a" ou "conhecida de beltrano/a", recolho os frutos do meu próprio trabalho, e através dele construo os meus sucessos e insucessos, presentes e futuros. Já não quero ser boa naquilo que faço para fazer alguém feliz, é a mim que faço sorrir ou chorar, é a mim que ultrapasso ou desiludo, e gosto disso. Não quero ser melhor que ninguém, a minha expectativa é apenas a de, todas as noites, deitar a cabeça na almofada e pensar "Dei o meu melhor". É a minha luta, e é por mim.

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