quarta-feira, 13 de junho de 2007

A inveja

Era uma vez um menino, a quem chamaremos Zézinho. O pai e a mãe do Zézinho, por razões que não iremos explorar agora, olharam para o menino acabado de nascer e decidiram que ele iria ser o melhor. Por isso, desde cedo, convenceram-no de que era o melhor em tudo, e arranjaram forma de que, se não o fosse efectivamente, o filho tivesse meios de convencer os/as outros/as de que o era, e por isso encheram-lhe o quarto dos melhores brinquedos e das últimas tecnologias. Assim, o Zézinho cresceu convencido de que realmente era o melhor; e que razão teria ele para duvidar do pai e de mãe?
Um dia, o Zézinho cresceu e saiu "debaixo da asa" da família. Foi estudar para outra cidade (embora continuasse a viver em casa do pai e da mãe) e entrou para uma Escola maior. Aí, conheceu outro menino, a quem chamaremos Pedrinho. O Pedrinho também era muito bom naquilo que fazia, em algumas actividades era mesmo o melhor, mas o pai e a mãe dele nunca lhe tinham incutido que, mais do que ser bom, era preciso ser o melhor. Ainda assim, o Pedrinho recolhia admiração de todos/as os/as novos/as colegas, menos do Zézinho, que olhava para ele com alguma desconfiança: não percebia como é que os/as colegas podiam gostar tanto de alguém que nem sequer se esforçava para ser o melhor em tudo. O desconforto passou a antipatia e, rapidamente, o Zézinho estava capaz de fazer qualquer coisa para ser melhor que o Pedrinho.
Como se não bastasse, o Pedrinho arranjou uma namorada, e o Zézinho, não querendo ficar atrás, decidiu devotar-se a conquistar aquela que, na sua opinião, seria a mais difícil de seduzir, para que pudesse celebrar mais esta vitória. Azar dos azares, viria o Zézinho a descobrir pouco depois, a namorada era daquelas "pós-modernas", que não querem ser namoradas, querem ser só "amigas com quem damos umas voltinhas de vez em quando" e o Zézinho, embora se esforçasse por dar a entender que se achava um sortudo por ter uma namorada tão "à frente", pensava, muitas vezes, que a namorada, na realidade, não gostava dele o suficiente para assumir o relacionamento, ou teria até mesmo vergonha dele.
Surgiu então a oportunidade de participar num torneio de xadrez, e o Zézinho, não podendo resistir ao apelo de mais uma conquista certa, decidiu chamar alguns/algumas colegas para se lhe juntarem, formando uma equipa. No entanto, todos/as os/as colegas acharam que as hipóteses de ganhar subiriam substancialmente se chamassem o Pedrinho para integrar a equipa, uma vez que alguns/algumas tinham ouvido dizer que ele já tinha participado em vários torneios da modalidade, tendo igualmente pertencido a alguns clubes e, inclusive, vencido diversas iniciativas. Tanto azucrinaram o Zézinho que ele lá acabou por aceitar integrar o Pedrinho, embora tenha deixado bem claro, desde o início (mas, claro, sem nunca falar abertamente com o Pedrinho), que não lhe agradava aquela parceria. E, de facto, achavam todos/as os/as colegas, o Pedrinho tinha sido uma óptima aquisição: tinha uma excelente técnica de jogo e gostava de apoiar o treino dos/as colegas. Apenas o Zézinho continuava a discordar da presença do Pedrinho, e quanto mais aplaudida esta era, mais o Zézinho se esforçava por chamar para si a atenção exclusiva dos/as colegas, fosse oferecendo-se para dar palestras sobre os seus utilíssimos conhecimentos técnicos, fosse para obrigar os/as colegas a horas e horas a fio de jogos intermináveis (porque, como já sabemos, o Zézinho nunca perdia, e enquanto isso acontecesse, o jogo não poderia acabar).
Ao fim de alguns meses, o Pedrinho, devido a responsabilidades familiares, teve de abandonar os treinos, embora se mantivesse sempre interessado na progressão que os/as colegas iam fazendo. Quando finalmente teve possibilidade de reintegrar a equipa, faltava cerca de um mês para o torneio, e conversou com alguns/algumas colegas (uma vez que desconhecia a existência de um "chefe" de equipa) sobre a possibilidade de, ainda assim, participar no torneio, ao que todos/as foram receptivos/as. Excepto, claro, o Zézinho, mas, como já era seu hábito, não teve coragem de interpelar o colega e expor-lhe a sua oposição. O Pedrinho regressou, assim, aos treinos, mas, ao fim de algumas sessões, sentia-se muito desconfortável com o desagrado implícito na atitude do Zézinho, embora esperasse que ele o esclarecesse acerca da sua posição em relação à participação no torneio. Ainda que a maioria dos/as colegas se manifestassem abertamente a favor da participação do Pedrinho, ninguém se assumiu como estando contra, embora muitos/as tenham simplesmente encolhido os ombros. No entanto, a conversa com o Zézinho nunca aconteceu, e o Pedrinho, não tendo qualquer intenção de causar mau-estar aos/às colegas, mas apenas divertir-se num jogo que tanto prazer lhe dava, decidiu abandonar a equipa.

Caros/as leitores/as, não sabemos ainda o desfecho do torneio de xadrez, mas garanto que, assim que houver novidades, terei ENORME prazer em anunciar tão aprazível e rotunda derrota.

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