terça-feira, 26 de junho de 2007

Sobre a música

"Quando a música nos comove até às lágrimas aparentemente sem motivo, não choramos por um excesso de prazer, mas por um excesso daquela tristeza impaciente e perpétua de, como meros mortais, ainda não estarmos preparados para nos banquetearmos com os êxtases sobrenaturais dos quais a música nos oferece apenas um vislumbre sugestivo e indefinido."
=Edgar Allan Poe=

Gosto de música. Não imagino a minha vida sem ela. Gosto de todo o tipo de música, desde que seja boa. Desde que faça sentido. Às vezes ouço uma música, da qual acho, à partida, que não vou gostar, por ser deste ou daquele "género musical", e passado alguns segundos, lá estou eu a bater o pé ao ritmo. Posso até não gostar, mas há qualquer coisa numa boa música, numa boa voz e numa boa batida que ultrapassa qualquer estereótipo. Chama-se "feeling".

É como a água: não tem cheiro, nem cor, nem sabor. Não se lhe pode tocar, nem medi-lo. Apenas senti-lo. Para mim, é como se aquela música "fizesse sentido", é o que costumo dizer. Não sei explicar. Só sei sentir. É a diferença entre se arrepiar a pele da nuca e os olhos se encherem de água, ou todos os músculos do corpo se contrairem na expectativa do "descarrilamento". O que, quando se houve uma banda ao vivo, é ainda mais evidente: é preciso conhecer muito bem uma música, "senti-la", para o/a músico/a se poder libertar e, verdadeiramente, interpretá-la. Não se trata apenas de saber as notinhas todas, e tocá-las todas muito direitinhas, em filinha atrás umas das outras. Isso, para mim, não é música; é som. A música é imprevisibilidade, é emoção, é improviso. É saber aproveitar aquela nota falhada para construir toda uma nova lógica harmónica. Isso é talento.

Nem toda a gente tem. É um facto. Quando era pequena, a minha irmã recebeu, num aniversário, um orgão, daqueles Casio, de boa qualidade. Ela não lhe ligava muito, e eu entretinha-me a tirar músicas de ouvido. Ouvia uma música e procurava reproduzi-la no orgão, tentando-falhando-tentando notas. Toda a gente dizia que eu tinha bom ouvido, mas, na realidade, aquilo eram só notas, umas a seguir às outras, sem fio condutor. Se quisermos, é a técnica, sem o "feeling". Isso não é música; é som.

Um/a bom/boa músico/a tem a capacidade de nos "transportar" para uma outra dimensão de entendimento. É como se, por breves minutos, o nosso cérebro se pudesse desligar das coisas terrenas e viajar, ao som daquela melodia. É como se, mesmo que não se saiba dançar (e o que é isto de "saber dançar"?), o corpo intuí-se imediatamente os movimentos mais harmoniosos, mais genuínos. É como se, naquele espaço-tempo, todo o Universo estivesse em sintonia, e aquele instrumento (ou aquela voz) pudesse ser o veículo privilegiado de acesso a esse concílio sobrenatural.

E isso não está ao alcance de qualquer pessoa. Por muita perfeição com que se saiba tocar um instrumento, ou por muito afinada que seja uma voz, é preciso algo mais. É preciso entrega, é preciso submeter-se aos desígnios da própria música, e, assim, é preciso humildade. Por isso é que este mundo está cheio de vedetas, é pena é haver tão poucos/as artistas.

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