quinta-feira, 22 de maio de 2008

Smile like you mean it

Como se guardasses um segredo. Como se tivesses coragem de olhar para além daquilo que vês. Como se soubesses coisas que ainda não podem ser, não agora.
Aquece-me as mãos. Aperta-as nas tuas, com força, como se quisesses parar o tempo com os dedos entretecidos. Como se te desligasses, e pudesses ser vácuo. Como se deixasses de ter um rosto, uma identidade, como se pudesses arrancar todas as folhas escritas e começar o livro de novo. Como se fossemos livres.
Um som que só tu podes ouvir. Uma língua inventada por nós. O silêncio. Respirar fundo, fechar os olhos e deixar que todas as perguntas ardam no lume lento da vida a acontecer. Consegues sentir? O futuro, e nós sentados na areia molhada a sorrir por causa daquelas ondas minúsculas a fazerem-nos cócegas nos pés. O sal a secar na pele e a deixar-nos riscos brancos que se desfazem em pó quando me abraças. Como se fossemos leves.
Como se aquilo que dizemos não tivesse peso, não apagasse a faísca dos nossos olhares a cruzarem-se sem querer e a recitarem tratados sobre o amor em milésimos de segundo.
Como se acordasses a meio da noite para ver se ainda respiro, se ainda sou tua, e me pousasses a mão sobre o peito, suave. Como se quisesses morder a minha gargalhada desbragada, soluçada. Como se respirasses devagar na curva do meu pescoço.
Como se apagássemos a luz e o quarto se tornasse infinito, do tamanho do mundo, do tamanho do tempo. Como se pudéssemos desfocar a lente com que olhamos a vida, até só haver lugar para o estranho, o diferente, o impossível.
Como se me desses um sorriso dos teus. Daqueles, tu sabes.

domingo, 11 de maio de 2008

Esquece tudo o que te disse

Todas as palavras são metáforas. Até um "adeus" pode querer dizer "reconquista-me".

Todas as palavras são alegorias. Desenhos de ideias. Acordes musicais de sentimentos, actos, omissões. Alguns silêncios são palavras. Alguns silêncios são gritos. Algumas palavras são lágrimas travestidas de luz.

As palavras nos olhos e as palavras nos lábios podem ser tão distintas, que é como se tivessemos duas encenações a decorrer em simultâneo, cá dentro de nós. Devíamos disciplinar os olhos ou desfrear a língua? Ou vice-versa, já nem sei bem...

As palavras, hoje, são pó. Estão secas, e dispersam-se em partículas no murmúrio de um momento que não existiu. Ou seríamos mesmo nós, ali?

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Promete

Quero escrever. Quero verter sentimentos em palavras. Quero que as palavras nunca sequem, nunca deixem de brotar disto que se passa cá dentro, dentro de mim. Quero as mãos atrapalhadas pela sofreguidão destas palavras, que querem saltar-me pelos olhos, pela boca, perfeitas, redondas, brancas. Palavras.
Deixo-me envolver, respiro. Fecho os olhos e as mãos, trago-as assim ao rosto, escondo-me nelas. Pensamentos feitos luz. Queria saber-te e pôr-te em palavras, muitas palavras, um rio de palavras e eu imersa nele. Sem fôlego, sem pé. Atirar-me para uma corrente de palavras, de sentimentos em palavras, de costas, os olhos fechados, os braços abertos, sem respirar fundo antes de saltar. Saltar, só. Encharcar-me nas palavras de ti.
Quero o som das tuas palavras, o cheiro delas, o sabor delas, na ponta da língua, no fundo da garganta, no fundo do peito. Nas pontas dos dedos. E para lá delas, para lá dos corpos, as palavras, sempre. Para lá da vida e da morte, palavras que ficam sempre, coladas ao tempo, palavras húmidas a escorrer das paredes da alma, até que já não haja ninguém que saiba o que elas querem dizer. Até já não havermos nós, nem nada de nós.
As palavras hão-de ser sempre promessas e desejo. Histórias que escrevemos, de um só fôlego, no cimento molhado. Nas mãos abertas um do outro. As mãos como cadernos em branco, dedos de tinta permanente. As palavras que ficam. Escritas na pele, nos olhos, em nós. São palavras invisíveis, vapor de sonhos. As veias azuis como auto-estradas, a levar a possibilidade das palavras às esquinas do coração.
As palavras como laços. Promete-me palavras. E tempo. E um mar de sentimentos feitos luz, para eu mergulhar, de cabeça. Os olhos fechados e os braços abertos. Palavras sem fim.
Promete.

sábado, 19 de abril de 2008

Desassossego...

"O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço..."


Álvaro de Campos



sábado, 5 de abril de 2008

Os filhos dos outros

Eu gosto de crianças. Há quem diga que é natural, há quem diga que não percebe como é que há gente que diz abertamente não gostar de crianças e não ter a menor intenção de ter filhos/as, há gente para quem "não gosta de crianças" é algum tipo de insulto. Eu discordo: compreendo que haja pessoas que não tenham paciência para crianças, e nem toda a gente é obrigada a desejar loucamente uma ranchada de filhos/as. Eu própria ainda não decidi se quero ou não ter filhos/as, embora desde sempre tenha gostado de crianças e tenha acompanhado imenso o crescimento de um primo e uma prima, que estão agora a entrar na adolescência.
Isto vem a propósito daquilo que hoje me apetece dizer das pessoas que têm filhos/as e que acham que toda a gente à sua volta está 100% disposta a aturar os/as filhos/as deles/as. Eu gosto de crianças e o meu problema não é com elas, mas sim com os/as pais/mães.
Hoje fui almoçar ao shopping. Eram quase duas da tarde, e pensei que já fosse encontrar pouca gente, embora me tenha deparado com uma fila bastante extensa no McDonalds. Dirigi-me a uma fila com cerca de três pessoas à minha frente, e esperei. Imediatamente à minha frente estavam duas senhoras, uma delas com uma criança ao colo, e uma outra com um carrinho de bebé. A criança que estava no carrinho, visivelmente com fome, chorava e protestava bastante, embora nada de insuportável. As duas senhoras, enquanto aguardavam a sua vez, conversavam animadamente sobre assuntos diversos, e escusado será dizer que só se lembraram de decidir o que queriam pedir quando chegaram ao balcão. Ainda antes disso, e enquanto a pessoa que estava à sua frente fazia o pedido, a senhora com a criança ao colo decidiu sentá-la em cima do balcão.
A criança que estava ao colo devia ter pouco mais de dois anos, e, embora ainda mal articulasse o discurso, já tinha voto na matéria quanto ao que ia comer. A senhora que o tinha ao colo perguntava "Queres douradinhos?", a criança dizia que sim com a cabeça e a senhora transmitia a mensagem ao senhor da caixa. "Queres coca-cola?", a criança dizia que sim, e depois dizia que queria sumo, e a senhora pedia ao senhor da caixa para ser antes sumo. Mas a criança queria sumo de laranja natural, e só havia sumo de pacote, e a criança queria um copo, e depois não queria aquele copo, mas sim um copo dos outros, e depois queria uma palhinha, e depois pegava no papel junto à caixa e atirava ao chão, e a senhora que o tinha ao colo interrompia o pedido para ir buscar aquilo ao chão. E depois a criança queria uma moeda para pôr na caixa das moedas junto à caixa, e depois não gostava do brinquedo de oferta, e o senhor da caixa ia buscar outro, mas depois a criança já gostava outra vez do primeiro brinquedo, e o senhor da caixa ia buscá-lo outra vez. E enquanto isto, a senhora do carrinho já tinha pegado na outra criança ao colo, e agora essa criança tinha sede, e a senhora tinha-se esquecido do biberão no carro, e queria uma palhinha para dar água à criança, que estava sentada em cima do balcão, do outro lado da caixa, e chorava de fome e sede. E depois chegava o pai, com ainda outra criança, esta já mais crescida, que se entretinha a passar entre mim e a primeira senhora, e me dava cabeçadas nos sacos que já me pesavam nos braços... Enquanto isso, eu esperava...
Reparem: eu acho óptimo que as pessoas tenham filhos/as, acho que as crianças são fantásticas, e acho o máximo que alguém se sinta capaz de educar um ser humano... Mas não percebo porque é que as pessoas se acham no direito de atirar os/as seus/suas filhos/as para o "colo" dos/as outros/as. Eu não tenho filhos/as porque não quero, mas tenho que esperar meia-hora numa fila de fast-food (!) para que as pessoas com filhos/as possam satisfazer as suas necessidades de interacção social? Tenho que andar a saltar de passeio em passeio para que as pessoas com filhos/as e os seus 37 carrinhos de bebé possam aproveitar o dia de sol?
Há pais/mães muito mal comportados/as neste mundo...

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Novidade

Bom, haveria muitas formas de o dizer, mas escolhi aquela que me pareceu mais engraçada. Já falta pouco...! :)

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

"De momento não é possível atender o seu desespero, por favor tente mais tarde"

Eram 10:01h, hora certa, confirmada pelas dez badaladas do sino da Igreja de N. Sra. do Carmo, e pelo site da DHL, com as horas exactas de todos os sítios do Mundo. Comecei a tentar ligar. No site dizia "Telefone (10 às 17h, dias úteis): +351 21 392 43 10" e eu, crente, deixei passar mais um minuto, não vá a senhora telefonista ter-se atrasado porque a moeda para o café encravou na máquina, ou porque o elevador ia cheio, ou porque o computador demorou mais tempo do que o costume a arrancar. Pode acontecer, pensei eu, também não é uma questão de vida ou morte, só estou há duas semanas à espera de um papel que, me disseram, demoraria sete dias a chegar, pensei eu.
Uma hora e mais de trinta tentativas depois, continuo à espera. Durante os primeiros dez minutos, uma senhora respondia, "De momento não é possível atender a sua chamada, por favor tente mais tarde. At the moment it is not possible to answer your call, please try again later". Depois, veio o sinal de impedido. Sempre, sempre impedido. E eu a pensar, "Mas como é que é possível, que raio de assunto é que esta gente tem a tratar, que ainda não desocuparam a m*rda do telefone?!". Mais dez minutos, e eu "Pá, isto não é normal, mas será possível que ainda não tenham acabado de tratar do assunto?!". Mais vinte minutos, "Ok, já percebi, nem sequer estão a atender o telefone, deve estar fora do descanso, não estão para se ralar".
Acho que estou condenada a esperar horas, seja em que sítio for, para depois demorar cinco minutos a resolver o meu assunto. Começo a achar que há pessoas que retiram alguma espécie de estranho prazer de esperar em filas... Quando chegamos a um balcão com vários guichets de atendimento, há sempre um que tem mais gente, e é normalmente para esse que as pessoas se dirigem. Porquê? Será alguma espécie de instinto básico de matilha? Ou será que pensam que deve haver alguma boa razão para toda a gente querer ser atendida no mesmo balcão?
Quando há um sistema de senhas, então, é fatal como o destino, das duas uma: ou todos os outros balcões atendem à velocidade da luz, excepto aquele onde temos de ser atendidos/as, ou até pode estar tudo a correr "sobre rodas", mas o/a cliente exactamente antes de nós (ou dois números antes) tem dez milhões de assuntos para tratar, além de que vai aproveitar para se queixar das dores nas costas que o/a têm incomodado, mais a unha encravada do/a marido/mulher, mais o/a filho/a que vai chumbar, "E já agora, só mais uma informaçãozinha, não me sabe dizer qual é o sentido da vida, não?"...
Eu até sou uma pessoa paciente, juro, mas começo a achar que esta coisa do atendimento nos serviço públicos não passa de uma estratégia governamental para nos deixar a todos/as à beira de um esgotamento nervoso...

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

"Eu?! Ai, que horror, nem pensar!"

John Donne, poeta inglês do século XVI, é o autor de um poema intitulado "No man is an island" (frase amplamente citada), e que reza assim:

No man is an island entire of itself; every man
is a piece of the continent, a part of the main;

(...) any man's death diminishes me,
because I am involved in mankind.
And therefore never send to know for whom
the bell tolls; it tolls for thee.

O indivíduo é incompleto, porque é parte de um todo indivisível. Por isso, nunca ninguém está verdadeiramente só, nem na morte. Pego hoje nesta ideia porque quero pensar sobre o Outro; sobre a(s) forma(s) como a relação com "aquele/a que não sou eu" me faz aquilo que eu sou.
Ao correr da vida, vamos, através das nossas vivências, construindo a nossa identidade: os nossos gostos, os nossos valores, os nossos objectivos. Vamos estabelecendo um conjunto de "traços de carácter", mais ou menos (in)flexíveis que nos permitem delinear os limites de nós mesmos/as. Quando dizemos "eu sou assim", estamos, na verdade, a dizer "eu não sou assado", ou seja, "eu não sou aquela(s) pessoa(s), sou um indivíduo porque sou diferente porque sou um indivíduo".
É um processo complexo de descrever, e ainda mais complexo de experienciar, mas, com mais ou menos atribulações, (quase) todos/as chegamos ao final da adolescência pensando saber quem somos. Quando o atingir dessa meta coincide com o encetar de um relacionamento mais significativo pode emergir um sentimento algo ambíguo em relação àquele Outro. Por um lado, há uma necessidade de comprometimento emocional, mas por outro lado há alguma reticência em simplesmente dizer: «Ok, tive muito trabalho a descobrir quem sou e não sei se já cheguei ao fim dessa tarefa, mas estou tão empenhado/a nesta relação que estou disposto/a a pôr isso de lado e descobrir um novo "eu"».
E o Outro obriga-nos a isso, mesmo inconscientemente, da mesma forma que nós também obrigamos o Outro a desconstruir-se enquanto indivíduo. Há um impulso para a mudança, porque a estagnação é a morte.
Quando somos crianças, temos a certeza absoluta de que não gostamos (e não compreendemos como é possível gostar) de certas coisas, nomeadamente certos alimentos ou certos pratos. Há medida que vamos crescendo, o nosso paladar vai-se modificando (e a nossa receptividade à novidade também) e descobrimos que apreciamos certos sabores que, antes, nos davam náuseas. Na relação com o Outro, acontece o mesmo. Temos a certeza absoluta daquilo que somos, gostamos, queremos e em que cremos, até que um dia damos por nós a fazer/dizer/desejar coisas que, antes, nos pareciam absolutamente inimagináveis. E, claro, não me estou apenas a referir a comportamentos patológicos; estou a falar de todos/as nós, nos nossos quotidianos "normais" de pessoas "normais".
Penso que, na verdade, aquilo que de mais importante o Outro nos ensina é que somos muitas coisas, muitas pessoas diferentes dentro da mesma, e ensina-nos a ter flexibilidade e a saber quando devemos ser uma ou outra. Aquilo que somos não está escrito nas nossas testas, nem trazemos uma tabuleta ao pescoço a informar o que queremos, do que gostamos, em que acreditamos. É essa "multiplicidade" que nos permite, penso eu, manter alguma sanidade mental: quando a nossa vida profissional nos deixa à beira da loucura, por exemplo, sabemos que noutro contexto, noutro espaço-tempo, teremos liberdade para ser. Para sermos o que quisermos, quem quisermos, por quanto tempo quisermos. Por isso penso que somos mais livres quando nos entregamos.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Nouveau Vice

Carla Bruni - "Le Toi du Moi"

Je suis ton pile
Tu es mes faces
Toi mon nombril
Et moi ta glace
Tu es l'envie et moi le geste
Toi le citron et moi le zeste
Je suis le thé, tu es la tasse
Toi la guitare et moi la basse

Je suis la pluie et tu es mes gouttes
Tu es le oui et moi le doute
T'es le bouquet je suis les fleurs
Tu es l'aorte et moi le coeur
Toi t'es l'instant moi le bonheur
Tu es le verre je suis le vin
Toi tu es l'herbe et moi le joint
Tu es le vent j'suis la rafale
Toi la raquette et moi la balle
T'es le jouet et moi l'enfant
T'es le vieillard et moi le temps
Je suis l'iris tu es la pupille
Je suis l'épice toi la papille
Toi l'eau qui vient et moi la bouche
Toi l'aube et moi le ciel qui s'couche
T'es le vicaire et moi l'ivresse
T'es le mensonge moi la paresse
T'es le guépard moi la vitesse
Tu es la main moi la caresse
Je suis l'enfer de ta pécheresse
Tu es le ciel moi la terre, hum
Je suis l'oreille de ta musique
Je suis le soleil de tes tropiques
Je suis le tabac de ta pipe
T'es le plaisir je suis la foudre
Tu es la gamme et moi la note
Tu es la flamme moi l'allumette
T'es la chaleur j'suis la paresse
T'es la torpeur et moi la sieste
T'es la fraîcheur et moi l'averse
Tu es les fesses je suis la chaise
Tu es bémol et moi j'suis dièse

T'es le Laurel de mon Hardy
T'es le plaisir de mon soupir
T'es la moustache de mon Trotski
T'es tous les éclats de mon rire
Tu es le chant de ma sirène
Tu es le sang et moi la veine
T'es le jamais de mon toujours
T'es mon amour t'es mon amour

Je suis ton pile
Toi mon face
Toi mon nombril
Et moi ta glace
Tu es l'envie et moi le geste
T'es le citron et moi le zeste
Je suis le thé, tu es la tasse
Toi la putain et moi la passe
Tu es la tombe et moi l'épitaphe
Et toi le texte, moi le paragraphe
Tu es le lapsus et moi la gaffe
Toi l'élégance et moi la grâce
Tu es l'effet et moi la cause
Toi le divan moi la névrose
Toi l'épine moi la rose
Tu es la tristesse moi le poète
Tu es la belle et moi la bête
Tu es le corps et moi la tête
Tu es le corps. hummm !
T'es le sérieux moi l'insouciance
Toi le flic moi la balance
Toi le gibier moi la potence
Toi l'ennui et moi la transe
Toi le très peu moi le beaucoup
Moi le sage et toi le fou
Tu es l'éclair et moi la poudre
Toi la paille et moi la poutre
Tu es le surmoi de mon ça
C'est toi Charybde et moi Scylla
Tu es la mère et moi le doute
Tu es le néant et moi le tout
Tu es le chant de ma sirène
Toi tu es le sang et moi la veine
T'es le jamais de mon toujours


segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

A minha vida num postal ilustrado

A primeira vez que visitei o Porto, devia ter uns 11 anos. Detestei. Naquela altura, os meus pais tinham o hábito de fazer viagens do estilo "vá para fora cá dentro", e confesso que devo conhecer mais de Portugal do que alguma vez imaginei ser possível (ou desejei). Só para dar uma ideia, houve um fim-de-semana em que a viagem teve como destino Freixo de Espada à Cinta, simplesmente porque o meu pai achou piada ao nome da terra (com todo o respeito pelos/as Freixo-de-espada-à-cintenses, a piada fica-se mesmo pelo nome...). Naquela altura, por todas as razões e mais algumas, a última coisa que queria na vida era passar um fim-de-semana enfiada no carro, com os meus pais e a minha irmã, rumo ao Sítio onde o Diabo Perdeu as Botas, onde, normalmente, só se chegava por meio de alguma estrada serrana serpenteante.
Não sei bem por quê, se seria do dia cinzento, de haver pouca gente na rua, ou de termos ido parar a um sítio onde um esgoto enorme abria directamente para o areal da praia, mas fiquei com péssima impressão do Porto, e passou a ser um dos meus ódios de estimação. Convenhamos que eu, como jovem ribatejana da década de 90 que se prezasse, vivia (ou sonhava viver) a utopia alfacinha. Lisboa era aquela cidade onde íamos fazer coisas importantes, "ir a Lisboa" era sempre um acontecimento e poder dizer de uma peça de roupa "comprei em Lisboa" era como dizer "comprei em Milão". Era para lá que previa ir estudar, assim que pudesse pôr Santarém "para trás das costas", como se costuma dizer. E assim foi, 18 anos acabados de fazer, lá fui eu habitar um apartamento na Avenida do Brasil (para quem não sabe, é a rua do LNEC e, mais importante, do Hospital Júlio de Matos).
Quis o destino que a minha utopia alfacinha durasse pouco, e durante esse ano "abroad" fui amadurecendo a ideia de me mudar para o Porto, embora muito a contra-gosto. A razão para me mudar era boa (a melhor..!), mas a reticência em ir viver para uma cidade que me tinha desgostado tanto era muita...
Em Março, passam quatro anos e meio desde que a Invicta se tornou a minha cidade. Encho a boca para dizer que vivo no Porto. Sou capaz de maldizer o Inverno nesta terra, esta chuva crónica, este cinzento perpétuo, esta humidade que se agarra às paredes, ao cabelo, à roupa. Mas adoro o Porto. O Verão aqui é fantástico; quando saio do comboio em Santarém, em Junho, já não consigo respirar... Nunca vou deixar de ser scalabitana, e Santarém há-de sempre ser a minha terra, mas o Porto foi a cidade que eu escolhi para "construir" a minha vida, e quanto mais tempo passa, mais certa estou da minha decisão.
Para aqueles e aquelas que, morando no Porto, não o vivem; para aqueles e aquelas que, não morando no Porto, têm dele a imagem dos postais ilustrados; ou, finalmente, para aqueles e aquelas que, não conhecendo o Porto por dentro, têm dele apenas a imagem do granito enegrecido pela chuva, aqui fica a cidade onde vivo, em fatias de luz e côr, num fim de tarde de Inverno...











quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

A minha primeira resolução de Ano Novo é...

...não fazer resoluções. Não percebo todo o "burburinho" à volta deste assunto; aparentemente até é um tema susceptível de inspirar peças jornalísticas. De há uns anos para cá, parece que passou a ser moda entrevistar gente na rua, em vésperas de passagem de ano, de forma a auscultar quais os seus projectos e promessas a cumprir durante o ano que se avizinha.
Este ano ouvi coisas especialmente interessantes (além das habituais "fazer dieta" ou "inscrever-me no ginásio"), como uma senhora que dizia que uma das suas resoluções de Ano Novo era encontrar um namorado. Eu acho bem, nada contra. É tão válida como resolver ganhar o Euromilhões ou instaurar a paz no Médio Oriente. Sou completamente apologista da auto-determinação e do poder da vontade individual, mas sejamos realistas: há coisas que não vale a pena resolvermo-nos a fazer, porque estão fora da nossa área de influência.

Acho que fazer listas de tarefas a cumprir é meio caminho andado para transgredir essas obrigações. Uma coisa é ter uma agenda e apontar algumas datas incontornáveis (consultas ou exames médicos, datas de exames ou entregas de trabalhos, datas de eventos onde vamos participar...). Outra coisa completamente diferente é definir aquilo que temos de fazer durante um ano inteiro, sem consideração pelos timings certos de cada projecto, cada situação, cada pessoa que vai cruzar o nosso caminho ao longo daqueles 365 ou 366 dias.

E é certinho que vamos chegar ao fim desse ano e sentirmo-nos um fracasso, porque os projectos, as situações e as pessoas não esperaram por nós, nem pela nossa lista, e provavelmente deixámos passar excelentes oportunidades, por estarmos apenas preocupados/as com aqueles objectivos que definimos no início de um ano sobre o qual ainda não sabíamos nada.

Há que ser flexível, em relação a nós mesmos/as, aos/às outros/as e à vida. Hoje estamos aqui; e amanhã? Alguém sabe? Alguém tem absoluta certeza de onde/a fazer o quê/com quem vai estar amanhã? E depois? E depois? E se a vida resolver passar-nos a perna?

sábado, 1 de dezembro de 2007

Tributo

Tiro o meu chapéu a quem, depois de trabalhar sete ou oito horas por dia, consegue que os/as filhos/as ainda lhe chamem pai ou mãe. Sinceramente. Não sei como se consegue gerir o dia-a-dia quando se tem filhos.
A minha vida doméstica tornou-se um caos desde que comecei a trabalhar. Tenho uma pilha de roupa para passar até ao tecto. De manhã, quando me levanto, estou sempre a morrer de sono. Às onze da noite já estou a cair para o lado. Simplesmente, não tenho tempo para nada! E quando chega o fim-de-semana, quero é descansar e dar umas voltas, não quero ficar em casa a pôr a arrumação em dia!...
Não sei como é que as outras pessoas conseguem. Juro. Será que isto vai melhorar?...

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Esta gente faz-me sentir velha...

Hoje, ao fim de cerca de um ano de interregno, precisei de almoçar na Faculdade. Meio da semana, meio do semestre... Às vezes parece-me que anda toda a gente mais ou menos pelo meu calendário, mas, na realidade, a vida já entrou nos eixos da rotina, para muitas pessoas.
Constatei que a Geração "Morangos com Açúcar" está a começar a chegar à Faculdade. São todos/as "super": vestem bem, o cabelo impecável (apesar do look prevalecente ser o "out of bed", aquilo é tudo muito bem estudado...), elas bem maquilhadas, eles de barba feita (ou desfeita, como se diz cá por cima... :P). Absolutamente frescos/as e fofos/as, parecem nunca deixar de ter 16 anos, apesar de já serem universitários/as.
Senti-me uma velha. Além da gripalhada que me tem acompanhado desde o início da semana, e das olheiras decorrentes das muitas horas que tenho passado em frente ao computador, senti o peso que a vida já depositou sobre mim. As responsabilidades, as contrariedades, as experiências. São ainda poucas, eu sei, mas naquele momento senti-me como se fosse mãe deles/as.
Não tenho saudades, porque tenho tido uma vida cheia. Aproveitei muito bem a minha adolescência, e continuo a aproveitar a vida, com outros excessos, mas mais ponderados e moderados. Mas sinto o tempo a passar, a vida a mudar. E não há nada que possamos fazer quanto a isso. O mundo não pára. Já não sou aquela pessoa, já não sou um/a deles/as. Sou outra(s) coisa(s), tenho outra(s) vida(s).
Sinto-me numa espécie de "limbo". Mas também não sei se alguma vez realmente descobrimos quem (ou o que) somos ou não somos, porque, na realidade, somos e vamos sendo muitas coisas, conforme as exigências e as oportunidades que a vida nos vai apresentando. Já não é bem uma crise identitária, é mais uma identidade crísica, aquilo que vivemos. Eu, pelo menos, sinto-me assim... E velha.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Morna

Tépida. Serena. Amolecedora. Tíbia. Dolente. Vagarosa. Paliativa.

Suficiente. Comedida. Moderada. Meã. Regular.

Langorosa. Cálida. Frouxa. Monótona.

É como vai a vida cá por dentro...


quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Pintei um quadro

Finalmente, ao fim de tantos anos de tentativas, e ideias e espera. Quanto mais nos queremos afastar de uma inclinação inicial, mais ela nos persegue, e por vezes acaba mesmo por prevalecer...
É óptima a sensação de produzir algo, de lhe poder tocar. Fazer com as mãos.


sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Inner Life

Tenho um lado obsessivo-compulsivo: não gosto de ver cabelos pendurados na roupa das pessoas, mesmo daquelas que não conheço, e tenho que me refrear para não os tirar. Não gosto de ver vincos ou dobras desnecessárias em lençóis, colchas, toalhas, roupa. Arrumo os livros nas prateleiras por ordem alfabética de autoria e por ordem de aquisição, no caso de pertencerem a um/a mesmo/a autor/a; nos "recreativos", escrevo, na primeira página, o mês, o ano e o local da compra; nos académicos/científicos, assino e escrevo o ano da compra. Ofereço muita resistência a mudar o meu percurso geográfico quotidiano: só ao fim de muita persuasão, consigo realmente "encaixar" que, se fôr por outro lado, é mais rápido ou encontro menos obstáculos.

Irrita-me que as pessoas digam "obrigados" ou "gostava de chamar a atenção que".

Não gosto que me toquem involuntariamente, na rua. Nem que venham a "marcar passo" atrás de mim.

Gosto de ficar em silêncio. Não gosto de usar a televisão como "luz de presença". Gosto de ter tudo desligado e ficar a ouvir somente a minha voz interior.

Não gosto de pés. Não me importo de olhar para eles, mas não gosto de lhes tocar; nem nos meus. A menos que seja estritamente necessário. Não gosto das unhas dos pés; acho-as feias e absurdas.

Gosto de cabelo. Adoro que me mexam no cabelo, adoro cabelos em que apetece mexer. Não percebo como é que há gente que sai à rua como se tivesse lavado a cabeça com óleo Fula.

Adoro o cheiro dos lençóis lavados e de enterrar o nariz na fronha acabada de tirar da gaveta. Gosto de roupa de cama branca, toda branca. Adoro a sensação de me deitar numa cama fresca, mesmo quando está frio.

Não consigo ultrapassar o facto de passar por uma cara conhecida, e não me conseguir lembrar quem é. Sou capaz de ficar a matutar nisso dias inteiros.

Sou incapaz de ler uma matrícula e não pensar logo numa palavra passível de nascer daquelas duas letras.

Gosto de ombros. Dão vontade de morder.

Não gosto de aranhas e insectos na generalidade, excepto joaninhas, mesmo que digam que são escaravelhos às pintas. Gosto de gatos e cães. Entro em pânico se vejo um cão "potencialmente perigoso" sem trela, na rua; começo a hiperventilar e fico estática.

Não gosto de crianças a fazer birra. Não gosto de gente a falar alto.
Gosto do cheiro a sabonete. Daquele básico, que cheira só mesmo a lavado. É preferível ao encharcamento em perfume, que me deixa à beira da náusea.

sábado, 6 de outubro de 2007

Sentença: Movimento Perpétuo

Em alguns momentos, o meu maior desejo era que a minha cabeça tivesse um botão de desligar. Aliás, já nem peço tanto: um stand-by já servia. Às vezes, fico tão cansada que me sinto como se o meu cérebro fosse entrar em ebulição, ou se a cabeça fosse estourar de vez, e saltar dos ombros, projectada para o Espaço...
Por vezes, gostava de poder pintar a cabeça de branco; por dentro. Como uma sala de um manicómio, daqueles que vemos nos filmes, com as paredes almofadadas, e nada lá dentro. Só branco e silêncio. Vazio. Sossego.
Mas os pensamentos, na minha cabeça, são como comboios. Intermináveis e barulhentos. Começam com uma coisa mínima, "Olha, que giro, uma sombra na parede", e de repente viajei dez anos para trás, no tempo, numa série contínua de carruagens-ideias. Uma lagarta infinita de memórias, e experiências, e ideias, e perguntas. Normalmente, dois minutos em silêncio são sucedidos por uma pergunta estapafúrdia. Porque, naqueles dois minutos, percorri todos os recantos da minha memória de curto e longo prazo e cheguei a um nó que me trouxe de volta à realidade: uma pergunta. Como é que os aviões se mantêm no ar depois de descolar? Porque é ficamos tontos/as depois de um sopro prolongado? O que é que acontece às coisas dentro do microondas?
Às vezes, simplesmente, não consigo parar de pensar. Estou cansada, dói-me a cabeça, tenho sono, quero concentrar-me em alguma coisa ou simplesmente não pensar em nada, e não consigo. Porque há uma música, uma música qualquer (e quanto mais rebuscada melhor), pode até nem ser uma música, mas simplesmente uma frase que alguém disse com uma certa "musicalidade", e fica a martelar horas infindas na minha cabeça. Sem parar. E quanto mais eu penso que preciso de tirar esta ideia da minha cabeça, mais alto ela toca, e com mais nuances, às vezes mais agudo, outras vezes mais grave, mais rápido ou mais lento. E eu a querer fugir, e a música sempre a perseguir-me, e atrás dela mais ideias, mais lembranças, "preciso de fazer isto", "gostava de fazer aquilo", "esqueci-me de fazer não-sei-quê".
Que horror... Preciso que alguém me salve de mim própria...! Acho que vou acabar louca...

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

"Five Years" (Bowie, 1972)

Cinco anos. Uma mão cheia de anos. Uma mão cheia de risos, projectos, sonhos, lágrimas, silêncios. Uma mão cheia de vida(s). Uma vida cheia de mim.
Completam-se cinco anos, completa-se uma fase, ninguém mo disse, mas assim parece ser.
Cinco anos. Quando encetei este capítulo da minha vida, faltava menos de um mês para fazer 18 anos; passam amanhã dois meses desde que fiz 23.
É quase ridículo dizer que tanta coisa se passou desde há cinco anos para cá, porque na realidade me sinto como se, neste estretanto, tivesse percorrido o Mundo inteiro mil vezes, perdendo-me e achando-me em cada momento. É como se tivesse morrido e voltado a nascer a cada dia.
Conheci pela primeira vez a dor da verdadeira saudade. Aquela saudade que nunca morre, que nos humedece sempre os olhos, sempre, que nos traz um nó à garganta. Aquela saudade que nunca mais poderemos saciar. Perdi o meu avô. A presença dele deixou de preencher fisicamente os meus dias, embora esta dor de não o ter nunca morra. Por vezes adormece, por vezes é quase como se não estivesse lá, mas por vezes é tão forte que nem consigo respirar. Penso muito nele, muitas vezes, em muitas situações. Não só quando penso no meu futuro e imagino todos aqueles acontecimentos na minha vida que ele já não pôde nem vai poder testemunhar: se um dia me casar, ele não vai estar lá. No dia em que apresentei a minha primeira comunicação, na Faculdade, ele não esteve lá sentado na plateia ao lado da minha avó. Se um dia tiver um filho, não vou poder pôr-lhe no colo o bisneto que terá o seu nome. Não pude mostrar-lhe as fotografias do dia em que comemorei o final do meu curso. Ele nunca visitou a minha casa. Também sinto a falta dele no dia-a-dia, nos fins de semana em que vou a casa dos meus pais, quando percorro os álbuns de fotografias, quando sinto na rua o cheiro do after-shave dele... Enfim, sempre. É uma dor que nunca acaba, simplesmente aprendemos a viver com ela, uns dias melhor, outros dias com muita dificuldade. Doem os beijos e os abraços que não lhe dei, as histórias que não o ouvi contar, a falta do assobio dele, a voz dele a dizer aquelas coisas de todos os dias, e dói o medo de me esquecer dessas coisas, como sei que um dia hão-de esquecer todas essas memórias de mim.
Perdi também a minha avó paterna e a minha tia, irmã mais nova do meu pai, a primeira devido a problemas de saúde associados à idade, e a segunda num acidente de viação. E senti bem fundo a angústia do fim, de um dia poder ser a última "testemunha" de tantas vidas que tanta gente ainda por nascer já não irá conhecer, de eu própria ser um dia pouco mais que uma vaga memória ou uma fotografia amarelecida no fundo de uma gaveta. Daqui a cem anos, este sítio onde estou sentada neste momento, a escrever estas palavras, poderá não ser senão ruínas ou pó. E ninguém saberá, nessa altura, que esteve aqui alguém a pôr memórias em palavras e a pensar no seu próprio fim. O que fica de nós, depois de morrermos?
Por outro lado, e porque nem só de perdas foi esta fase feita, este período tem o seu início precisamente no momento em que iniciei a relação pessoa com quem hoje partilho a vida. Passaram cinco anos no dia 22 de Julho. E têm sido anos de uma aprendizagem permanente e de uma partilha incessante. Sou hoje uma pessoa muito diferente daquela que era há cinco anos atrás, e se essa mudança me tem sido favorável, isso deve-se à amizade, ao companheirismo e ao amor que me têm sido dedicados. Ao fim deste tempo todo, e de todos os obstáculos que tivemos que ir ultrapassando, continua a ser a pessoa que melhor me conhece, mais me compreende e mais me critica, mas sempre de forma construtiva. É um companheiro a todos os níveis (excepto como par de dança, mas tem de haver sempre algum handicap...) e é das pessoas mais interessantes que alguma vez conheci: o assunto de conversa nunca se esgota, e não é raro fazer-me rir até às lágrimas. Completaram-se no dia 20 de Setembro quatro anos de partilha quotidiana. Construímos uma casa; não com tijolos e cimento, antes com hábitos, velhos e novos, gostos (in)comuns, muitas conversas, muitos silêncios, muitas gargalhadas. A Luna!
Ninguém nos explica como vai ser partilhar a vida e a casa com alguém, principalmente quando um laço afectivo nos une a esse alguém. Desejam-nos felicidades e boa sorte, mas não nos dizem como vai ser difícil. Para mim, que tinha saído de uma casa onde, basicamente, não fazia a ponta de um corno, ver-me de repente a braços com uma casa que era minha, sob a minha exclusiva responsabilidade, foi, em alguns momentos, um choque. Também ninguém nos explica como, por vezes, e apesar de poder ser difícil viver connosco mesmos/as, viver com outra pessoa é bastante mais complicado. E quando estamos a aprender a fazer as duas coisas, ao mesmo tempo, mais difícil ainda... Nunca deixa de ser um desafio, parece-me. Se deixar, é porque morreu. Mas acaba por dar mais gozo do que dores de cabeça. E, se assim for, é porque vale a pena. No meu caso, valeu, tem valido, continua a valer. É uma descoberta constante, de mim própria e da outra pessoa, de todos aqueles Outros que somos interiormente. Como diz o Luís Fernando Veríssimo na crónica "Do Lado de Lá" desta semana, na revista "Actual" do jornal "Expresso":
«Dois nunca são só dois, são dezassete de cada lado. E quando você pensa que conhece todos, aparece o décimo oitavo. (...) Tenho outros por dentro que nem eu entendo, minha teoria é que a gente nasce com várias possibilidades e quando uma predomina as outras ficam lá dentro, como alternativas descartadas (...). Viver juntos é ir descobrindo o que cada um tem por dentro, os dezassete outros de cada um, e aprendendo a viver com eles. A gente se adapta. Um dos meus dezassete pode não combinar com um dos dezassete dela, então a gente cuida para eles nunca se encontrarem»
Amar dá trabalho! Viver dá trabalho. Mas, ao fim de cinco anos, continua a valer (muito) a pena.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Destino: Espanha (O vídeo)

Eis o último capítulo do romance "Destino: Espanha", o vídeo que eu e o Paulo fizemos do nosso fim-de-semana no estrangeiro :P
Espero que gostem; e tem banda sonora!

http://video.google.com/videoplay?docid=-4942685178273552066&hl=en

domingo, 19 de agosto de 2007

Destino: Espanha (a viagem de regresso)

Saímos de Santander às 10:30h do dia 12 de Agosto. O destino era Braga, com desvio até ao País Basco, para visitar Vitoria-Gasteiz, Cidade Educadora que uma série de coincidências pareciam querer colocar no nosso caminho, a começar pela (relativa) proximidade em relação a Santander. No entanto, o tempo parecia não querer ajudar, e temendo que o destino se apresentasse chuvoso (note to self: levar chapéu de chuva na próxima viagem, independentemente do destino e da altura do ano), decidimos que a visita teria de ficar para outra ocasião. Há que salientar, também, que, segundo as indicações do Via Michelin, este pequeno desvio representaria mais 168 km e quase mais três horas de viagem (estranha proporção...), o que, convenhamos, foi também bastante persuasivo...
De maneira que decidimos atalhar caminho e seguir para sul, em direcção a Palencia (província de Castilla y León), e, a partir daí, seguir practicamente em linha recta até à fronteira, em Vila Verde da Raia, perto de Chaves.
A saída da Cantabria pelo sul é, de facto, lindíssima, uma vez que nos permite atravessar a Cordillera Cantábrica, pertencente ao Parque Nacional dos Picos da Europa. A natureza circundante praticamente intocada, muita vida selvagem bem à vista (nomeadamente aves de rapina), muita gente de bicicleta, uma viagem muito agradável. Seguimos pela N-611, com entradas e saídas da A-67, ainda em acabamentos.
Depois, mais ou menos a partir de Aguilar de Campoo, uma mudança de paisagem dramática: entráramos na Meseta Ibérica. Quilómetros e quilómetros de planície contínua, a estrada a rebrilhar sob o sol do meio-dia, campos de girassóis a perder de vista. E laranja, muito laranja, nos campos, nas paredes das casas dos pequenos vilarejos (fantasmas) aqui e ali; "é Verão", parecia querer dizer. Chegámos a Palencia cerca das 14:00h; uma cidade perfeitamente normal, pouca gente na rua, poucos restaurantes abertos, e por isso a opção para o almoço foi pizza.


Cerca de uma hora depois, estávamos de regresso à estrada (desta feita, a N-610), e à Meseta. Perto de Villanueva del Campo, pela primeira vez em muitos, muitos quilómetros, avistámos finalmente uma matrícula portuguesa, e foi um acontecimento tal que o sujeito, depois de nos ultrapassar, nos acenou pelo retrovisor...! Uma vez que tínhamos ganho algum tempo de viagem por termos preterido a visita a Vitoria-Gasteiz, decidimos fazer um pequeno desvio até ao Lago de Sanabria, que fica situado no meio de montanhas e a cerca de 1000 metros de altitude, estendendo-se ao longo de 3,2 km de comprimento por 1,5 km de largura. O Lago e a sua envolvente, graças à acção da sua população (a quem é dedicada uma placa em bronze junto à estrada que circunda o Lago), foram declarados Parque Natural em 1978, numa zona onde convergem as fronteiras da Galiza, de Portugal e da província de Castilla y León. Como o tempo já não era muito, optámos por não prolongar muito a paragem, embora o guia que levássemos aconselhasse uma visita à Puebla de Sanabria, que, pelas imagens inclusas, de facto se justicava.


Deixando para trás o Lago, a viagem até à fronteira, que cruzámos em Vila Verde da Raia (onde encontrámos um posto fronteiriço, embora já encerrado), decorreu sem precalços. O Via Michelin indicáva-nos a viagem até Braga através da auto-estrada, mas decidimos que, se tinhamos sobrevivido à Meseta, também sobreviveríamos à Nacional até Braga. Escusado será dizer que não há comparação possível e foi, em certos momentos, uma dura prova, aguentar tanta curva e contra-curva depois de uma viagem tão longa, mas lá se fez.
Uma óptima viagem, que decorreu comme il faut, e da qual só trazemos boas recordações, e muitas fotografias. Para o ano, Santander emerge como destino obrigatório, embora desta feita desejemos fazer a viagem até lá pelo sul, visitando Barcelona e, finalmente, Vitoria-Gasteiz.
Amanhã partimos para o Algarve, mais precisamente para Monte Gordo, para uma semana em família, da qual espero trazer mais algumas fotos, relatos e uma corzinha mais interessante :)
Beijos




(O conta-quilómetros, à chegada a Braga, marcando 437 km, aos quais se somam outros mil, percorridos durante este fim-de-semana em Espanha.)