quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

"Eu?! Ai, que horror, nem pensar!"

John Donne, poeta inglês do século XVI, é o autor de um poema intitulado "No man is an island" (frase amplamente citada), e que reza assim:

No man is an island entire of itself; every man
is a piece of the continent, a part of the main;

(...) any man's death diminishes me,
because I am involved in mankind.
And therefore never send to know for whom
the bell tolls; it tolls for thee.

O indivíduo é incompleto, porque é parte de um todo indivisível. Por isso, nunca ninguém está verdadeiramente só, nem na morte. Pego hoje nesta ideia porque quero pensar sobre o Outro; sobre a(s) forma(s) como a relação com "aquele/a que não sou eu" me faz aquilo que eu sou.
Ao correr da vida, vamos, através das nossas vivências, construindo a nossa identidade: os nossos gostos, os nossos valores, os nossos objectivos. Vamos estabelecendo um conjunto de "traços de carácter", mais ou menos (in)flexíveis que nos permitem delinear os limites de nós mesmos/as. Quando dizemos "eu sou assim", estamos, na verdade, a dizer "eu não sou assado", ou seja, "eu não sou aquela(s) pessoa(s), sou um indivíduo porque sou diferente porque sou um indivíduo".
É um processo complexo de descrever, e ainda mais complexo de experienciar, mas, com mais ou menos atribulações, (quase) todos/as chegamos ao final da adolescência pensando saber quem somos. Quando o atingir dessa meta coincide com o encetar de um relacionamento mais significativo pode emergir um sentimento algo ambíguo em relação àquele Outro. Por um lado, há uma necessidade de comprometimento emocional, mas por outro lado há alguma reticência em simplesmente dizer: «Ok, tive muito trabalho a descobrir quem sou e não sei se já cheguei ao fim dessa tarefa, mas estou tão empenhado/a nesta relação que estou disposto/a a pôr isso de lado e descobrir um novo "eu"».
E o Outro obriga-nos a isso, mesmo inconscientemente, da mesma forma que nós também obrigamos o Outro a desconstruir-se enquanto indivíduo. Há um impulso para a mudança, porque a estagnação é a morte.
Quando somos crianças, temos a certeza absoluta de que não gostamos (e não compreendemos como é possível gostar) de certas coisas, nomeadamente certos alimentos ou certos pratos. Há medida que vamos crescendo, o nosso paladar vai-se modificando (e a nossa receptividade à novidade também) e descobrimos que apreciamos certos sabores que, antes, nos davam náuseas. Na relação com o Outro, acontece o mesmo. Temos a certeza absoluta daquilo que somos, gostamos, queremos e em que cremos, até que um dia damos por nós a fazer/dizer/desejar coisas que, antes, nos pareciam absolutamente inimagináveis. E, claro, não me estou apenas a referir a comportamentos patológicos; estou a falar de todos/as nós, nos nossos quotidianos "normais" de pessoas "normais".
Penso que, na verdade, aquilo que de mais importante o Outro nos ensina é que somos muitas coisas, muitas pessoas diferentes dentro da mesma, e ensina-nos a ter flexibilidade e a saber quando devemos ser uma ou outra. Aquilo que somos não está escrito nas nossas testas, nem trazemos uma tabuleta ao pescoço a informar o que queremos, do que gostamos, em que acreditamos. É essa "multiplicidade" que nos permite, penso eu, manter alguma sanidade mental: quando a nossa vida profissional nos deixa à beira da loucura, por exemplo, sabemos que noutro contexto, noutro espaço-tempo, teremos liberdade para ser. Para sermos o que quisermos, quem quisermos, por quanto tempo quisermos. Por isso penso que somos mais livres quando nos entregamos.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Nouveau Vice

Carla Bruni - "Le Toi du Moi"

Je suis ton pile
Tu es mes faces
Toi mon nombril
Et moi ta glace
Tu es l'envie et moi le geste
Toi le citron et moi le zeste
Je suis le thé, tu es la tasse
Toi la guitare et moi la basse

Je suis la pluie et tu es mes gouttes
Tu es le oui et moi le doute
T'es le bouquet je suis les fleurs
Tu es l'aorte et moi le coeur
Toi t'es l'instant moi le bonheur
Tu es le verre je suis le vin
Toi tu es l'herbe et moi le joint
Tu es le vent j'suis la rafale
Toi la raquette et moi la balle
T'es le jouet et moi l'enfant
T'es le vieillard et moi le temps
Je suis l'iris tu es la pupille
Je suis l'épice toi la papille
Toi l'eau qui vient et moi la bouche
Toi l'aube et moi le ciel qui s'couche
T'es le vicaire et moi l'ivresse
T'es le mensonge moi la paresse
T'es le guépard moi la vitesse
Tu es la main moi la caresse
Je suis l'enfer de ta pécheresse
Tu es le ciel moi la terre, hum
Je suis l'oreille de ta musique
Je suis le soleil de tes tropiques
Je suis le tabac de ta pipe
T'es le plaisir je suis la foudre
Tu es la gamme et moi la note
Tu es la flamme moi l'allumette
T'es la chaleur j'suis la paresse
T'es la torpeur et moi la sieste
T'es la fraîcheur et moi l'averse
Tu es les fesses je suis la chaise
Tu es bémol et moi j'suis dièse

T'es le Laurel de mon Hardy
T'es le plaisir de mon soupir
T'es la moustache de mon Trotski
T'es tous les éclats de mon rire
Tu es le chant de ma sirène
Tu es le sang et moi la veine
T'es le jamais de mon toujours
T'es mon amour t'es mon amour

Je suis ton pile
Toi mon face
Toi mon nombril
Et moi ta glace
Tu es l'envie et moi le geste
T'es le citron et moi le zeste
Je suis le thé, tu es la tasse
Toi la putain et moi la passe
Tu es la tombe et moi l'épitaphe
Et toi le texte, moi le paragraphe
Tu es le lapsus et moi la gaffe
Toi l'élégance et moi la grâce
Tu es l'effet et moi la cause
Toi le divan moi la névrose
Toi l'épine moi la rose
Tu es la tristesse moi le poète
Tu es la belle et moi la bête
Tu es le corps et moi la tête
Tu es le corps. hummm !
T'es le sérieux moi l'insouciance
Toi le flic moi la balance
Toi le gibier moi la potence
Toi l'ennui et moi la transe
Toi le très peu moi le beaucoup
Moi le sage et toi le fou
Tu es l'éclair et moi la poudre
Toi la paille et moi la poutre
Tu es le surmoi de mon ça
C'est toi Charybde et moi Scylla
Tu es la mère et moi le doute
Tu es le néant et moi le tout
Tu es le chant de ma sirène
Toi tu es le sang et moi la veine
T'es le jamais de mon toujours


segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

A minha vida num postal ilustrado

A primeira vez que visitei o Porto, devia ter uns 11 anos. Detestei. Naquela altura, os meus pais tinham o hábito de fazer viagens do estilo "vá para fora cá dentro", e confesso que devo conhecer mais de Portugal do que alguma vez imaginei ser possível (ou desejei). Só para dar uma ideia, houve um fim-de-semana em que a viagem teve como destino Freixo de Espada à Cinta, simplesmente porque o meu pai achou piada ao nome da terra (com todo o respeito pelos/as Freixo-de-espada-à-cintenses, a piada fica-se mesmo pelo nome...). Naquela altura, por todas as razões e mais algumas, a última coisa que queria na vida era passar um fim-de-semana enfiada no carro, com os meus pais e a minha irmã, rumo ao Sítio onde o Diabo Perdeu as Botas, onde, normalmente, só se chegava por meio de alguma estrada serrana serpenteante.
Não sei bem por quê, se seria do dia cinzento, de haver pouca gente na rua, ou de termos ido parar a um sítio onde um esgoto enorme abria directamente para o areal da praia, mas fiquei com péssima impressão do Porto, e passou a ser um dos meus ódios de estimação. Convenhamos que eu, como jovem ribatejana da década de 90 que se prezasse, vivia (ou sonhava viver) a utopia alfacinha. Lisboa era aquela cidade onde íamos fazer coisas importantes, "ir a Lisboa" era sempre um acontecimento e poder dizer de uma peça de roupa "comprei em Lisboa" era como dizer "comprei em Milão". Era para lá que previa ir estudar, assim que pudesse pôr Santarém "para trás das costas", como se costuma dizer. E assim foi, 18 anos acabados de fazer, lá fui eu habitar um apartamento na Avenida do Brasil (para quem não sabe, é a rua do LNEC e, mais importante, do Hospital Júlio de Matos).
Quis o destino que a minha utopia alfacinha durasse pouco, e durante esse ano "abroad" fui amadurecendo a ideia de me mudar para o Porto, embora muito a contra-gosto. A razão para me mudar era boa (a melhor..!), mas a reticência em ir viver para uma cidade que me tinha desgostado tanto era muita...
Em Março, passam quatro anos e meio desde que a Invicta se tornou a minha cidade. Encho a boca para dizer que vivo no Porto. Sou capaz de maldizer o Inverno nesta terra, esta chuva crónica, este cinzento perpétuo, esta humidade que se agarra às paredes, ao cabelo, à roupa. Mas adoro o Porto. O Verão aqui é fantástico; quando saio do comboio em Santarém, em Junho, já não consigo respirar... Nunca vou deixar de ser scalabitana, e Santarém há-de sempre ser a minha terra, mas o Porto foi a cidade que eu escolhi para "construir" a minha vida, e quanto mais tempo passa, mais certa estou da minha decisão.
Para aqueles e aquelas que, morando no Porto, não o vivem; para aqueles e aquelas que, não morando no Porto, têm dele a imagem dos postais ilustrados; ou, finalmente, para aqueles e aquelas que, não conhecendo o Porto por dentro, têm dele apenas a imagem do granito enegrecido pela chuva, aqui fica a cidade onde vivo, em fatias de luz e côr, num fim de tarde de Inverno...











quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

A minha primeira resolução de Ano Novo é...

...não fazer resoluções. Não percebo todo o "burburinho" à volta deste assunto; aparentemente até é um tema susceptível de inspirar peças jornalísticas. De há uns anos para cá, parece que passou a ser moda entrevistar gente na rua, em vésperas de passagem de ano, de forma a auscultar quais os seus projectos e promessas a cumprir durante o ano que se avizinha.
Este ano ouvi coisas especialmente interessantes (além das habituais "fazer dieta" ou "inscrever-me no ginásio"), como uma senhora que dizia que uma das suas resoluções de Ano Novo era encontrar um namorado. Eu acho bem, nada contra. É tão válida como resolver ganhar o Euromilhões ou instaurar a paz no Médio Oriente. Sou completamente apologista da auto-determinação e do poder da vontade individual, mas sejamos realistas: há coisas que não vale a pena resolvermo-nos a fazer, porque estão fora da nossa área de influência.

Acho que fazer listas de tarefas a cumprir é meio caminho andado para transgredir essas obrigações. Uma coisa é ter uma agenda e apontar algumas datas incontornáveis (consultas ou exames médicos, datas de exames ou entregas de trabalhos, datas de eventos onde vamos participar...). Outra coisa completamente diferente é definir aquilo que temos de fazer durante um ano inteiro, sem consideração pelos timings certos de cada projecto, cada situação, cada pessoa que vai cruzar o nosso caminho ao longo daqueles 365 ou 366 dias.

E é certinho que vamos chegar ao fim desse ano e sentirmo-nos um fracasso, porque os projectos, as situações e as pessoas não esperaram por nós, nem pela nossa lista, e provavelmente deixámos passar excelentes oportunidades, por estarmos apenas preocupados/as com aqueles objectivos que definimos no início de um ano sobre o qual ainda não sabíamos nada.

Há que ser flexível, em relação a nós mesmos/as, aos/às outros/as e à vida. Hoje estamos aqui; e amanhã? Alguém sabe? Alguém tem absoluta certeza de onde/a fazer o quê/com quem vai estar amanhã? E depois? E depois? E se a vida resolver passar-nos a perna?

sábado, 1 de dezembro de 2007

Tributo

Tiro o meu chapéu a quem, depois de trabalhar sete ou oito horas por dia, consegue que os/as filhos/as ainda lhe chamem pai ou mãe. Sinceramente. Não sei como se consegue gerir o dia-a-dia quando se tem filhos.
A minha vida doméstica tornou-se um caos desde que comecei a trabalhar. Tenho uma pilha de roupa para passar até ao tecto. De manhã, quando me levanto, estou sempre a morrer de sono. Às onze da noite já estou a cair para o lado. Simplesmente, não tenho tempo para nada! E quando chega o fim-de-semana, quero é descansar e dar umas voltas, não quero ficar em casa a pôr a arrumação em dia!...
Não sei como é que as outras pessoas conseguem. Juro. Será que isto vai melhorar?...

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Esta gente faz-me sentir velha...

Hoje, ao fim de cerca de um ano de interregno, precisei de almoçar na Faculdade. Meio da semana, meio do semestre... Às vezes parece-me que anda toda a gente mais ou menos pelo meu calendário, mas, na realidade, a vida já entrou nos eixos da rotina, para muitas pessoas.
Constatei que a Geração "Morangos com Açúcar" está a começar a chegar à Faculdade. São todos/as "super": vestem bem, o cabelo impecável (apesar do look prevalecente ser o "out of bed", aquilo é tudo muito bem estudado...), elas bem maquilhadas, eles de barba feita (ou desfeita, como se diz cá por cima... :P). Absolutamente frescos/as e fofos/as, parecem nunca deixar de ter 16 anos, apesar de já serem universitários/as.
Senti-me uma velha. Além da gripalhada que me tem acompanhado desde o início da semana, e das olheiras decorrentes das muitas horas que tenho passado em frente ao computador, senti o peso que a vida já depositou sobre mim. As responsabilidades, as contrariedades, as experiências. São ainda poucas, eu sei, mas naquele momento senti-me como se fosse mãe deles/as.
Não tenho saudades, porque tenho tido uma vida cheia. Aproveitei muito bem a minha adolescência, e continuo a aproveitar a vida, com outros excessos, mas mais ponderados e moderados. Mas sinto o tempo a passar, a vida a mudar. E não há nada que possamos fazer quanto a isso. O mundo não pára. Já não sou aquela pessoa, já não sou um/a deles/as. Sou outra(s) coisa(s), tenho outra(s) vida(s).
Sinto-me numa espécie de "limbo". Mas também não sei se alguma vez realmente descobrimos quem (ou o que) somos ou não somos, porque, na realidade, somos e vamos sendo muitas coisas, conforme as exigências e as oportunidades que a vida nos vai apresentando. Já não é bem uma crise identitária, é mais uma identidade crísica, aquilo que vivemos. Eu, pelo menos, sinto-me assim... E velha.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Morna

Tépida. Serena. Amolecedora. Tíbia. Dolente. Vagarosa. Paliativa.

Suficiente. Comedida. Moderada. Meã. Regular.

Langorosa. Cálida. Frouxa. Monótona.

É como vai a vida cá por dentro...


quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Pintei um quadro

Finalmente, ao fim de tantos anos de tentativas, e ideias e espera. Quanto mais nos queremos afastar de uma inclinação inicial, mais ela nos persegue, e por vezes acaba mesmo por prevalecer...
É óptima a sensação de produzir algo, de lhe poder tocar. Fazer com as mãos.


sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Inner Life

Tenho um lado obsessivo-compulsivo: não gosto de ver cabelos pendurados na roupa das pessoas, mesmo daquelas que não conheço, e tenho que me refrear para não os tirar. Não gosto de ver vincos ou dobras desnecessárias em lençóis, colchas, toalhas, roupa. Arrumo os livros nas prateleiras por ordem alfabética de autoria e por ordem de aquisição, no caso de pertencerem a um/a mesmo/a autor/a; nos "recreativos", escrevo, na primeira página, o mês, o ano e o local da compra; nos académicos/científicos, assino e escrevo o ano da compra. Ofereço muita resistência a mudar o meu percurso geográfico quotidiano: só ao fim de muita persuasão, consigo realmente "encaixar" que, se fôr por outro lado, é mais rápido ou encontro menos obstáculos.

Irrita-me que as pessoas digam "obrigados" ou "gostava de chamar a atenção que".

Não gosto que me toquem involuntariamente, na rua. Nem que venham a "marcar passo" atrás de mim.

Gosto de ficar em silêncio. Não gosto de usar a televisão como "luz de presença". Gosto de ter tudo desligado e ficar a ouvir somente a minha voz interior.

Não gosto de pés. Não me importo de olhar para eles, mas não gosto de lhes tocar; nem nos meus. A menos que seja estritamente necessário. Não gosto das unhas dos pés; acho-as feias e absurdas.

Gosto de cabelo. Adoro que me mexam no cabelo, adoro cabelos em que apetece mexer. Não percebo como é que há gente que sai à rua como se tivesse lavado a cabeça com óleo Fula.

Adoro o cheiro dos lençóis lavados e de enterrar o nariz na fronha acabada de tirar da gaveta. Gosto de roupa de cama branca, toda branca. Adoro a sensação de me deitar numa cama fresca, mesmo quando está frio.

Não consigo ultrapassar o facto de passar por uma cara conhecida, e não me conseguir lembrar quem é. Sou capaz de ficar a matutar nisso dias inteiros.

Sou incapaz de ler uma matrícula e não pensar logo numa palavra passível de nascer daquelas duas letras.

Gosto de ombros. Dão vontade de morder.

Não gosto de aranhas e insectos na generalidade, excepto joaninhas, mesmo que digam que são escaravelhos às pintas. Gosto de gatos e cães. Entro em pânico se vejo um cão "potencialmente perigoso" sem trela, na rua; começo a hiperventilar e fico estática.

Não gosto de crianças a fazer birra. Não gosto de gente a falar alto.
Gosto do cheiro a sabonete. Daquele básico, que cheira só mesmo a lavado. É preferível ao encharcamento em perfume, que me deixa à beira da náusea.

sábado, 6 de outubro de 2007

Sentença: Movimento Perpétuo

Em alguns momentos, o meu maior desejo era que a minha cabeça tivesse um botão de desligar. Aliás, já nem peço tanto: um stand-by já servia. Às vezes, fico tão cansada que me sinto como se o meu cérebro fosse entrar em ebulição, ou se a cabeça fosse estourar de vez, e saltar dos ombros, projectada para o Espaço...
Por vezes, gostava de poder pintar a cabeça de branco; por dentro. Como uma sala de um manicómio, daqueles que vemos nos filmes, com as paredes almofadadas, e nada lá dentro. Só branco e silêncio. Vazio. Sossego.
Mas os pensamentos, na minha cabeça, são como comboios. Intermináveis e barulhentos. Começam com uma coisa mínima, "Olha, que giro, uma sombra na parede", e de repente viajei dez anos para trás, no tempo, numa série contínua de carruagens-ideias. Uma lagarta infinita de memórias, e experiências, e ideias, e perguntas. Normalmente, dois minutos em silêncio são sucedidos por uma pergunta estapafúrdia. Porque, naqueles dois minutos, percorri todos os recantos da minha memória de curto e longo prazo e cheguei a um nó que me trouxe de volta à realidade: uma pergunta. Como é que os aviões se mantêm no ar depois de descolar? Porque é ficamos tontos/as depois de um sopro prolongado? O que é que acontece às coisas dentro do microondas?
Às vezes, simplesmente, não consigo parar de pensar. Estou cansada, dói-me a cabeça, tenho sono, quero concentrar-me em alguma coisa ou simplesmente não pensar em nada, e não consigo. Porque há uma música, uma música qualquer (e quanto mais rebuscada melhor), pode até nem ser uma música, mas simplesmente uma frase que alguém disse com uma certa "musicalidade", e fica a martelar horas infindas na minha cabeça. Sem parar. E quanto mais eu penso que preciso de tirar esta ideia da minha cabeça, mais alto ela toca, e com mais nuances, às vezes mais agudo, outras vezes mais grave, mais rápido ou mais lento. E eu a querer fugir, e a música sempre a perseguir-me, e atrás dela mais ideias, mais lembranças, "preciso de fazer isto", "gostava de fazer aquilo", "esqueci-me de fazer não-sei-quê".
Que horror... Preciso que alguém me salve de mim própria...! Acho que vou acabar louca...

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

"Five Years" (Bowie, 1972)

Cinco anos. Uma mão cheia de anos. Uma mão cheia de risos, projectos, sonhos, lágrimas, silêncios. Uma mão cheia de vida(s). Uma vida cheia de mim.
Completam-se cinco anos, completa-se uma fase, ninguém mo disse, mas assim parece ser.
Cinco anos. Quando encetei este capítulo da minha vida, faltava menos de um mês para fazer 18 anos; passam amanhã dois meses desde que fiz 23.
É quase ridículo dizer que tanta coisa se passou desde há cinco anos para cá, porque na realidade me sinto como se, neste estretanto, tivesse percorrido o Mundo inteiro mil vezes, perdendo-me e achando-me em cada momento. É como se tivesse morrido e voltado a nascer a cada dia.
Conheci pela primeira vez a dor da verdadeira saudade. Aquela saudade que nunca morre, que nos humedece sempre os olhos, sempre, que nos traz um nó à garganta. Aquela saudade que nunca mais poderemos saciar. Perdi o meu avô. A presença dele deixou de preencher fisicamente os meus dias, embora esta dor de não o ter nunca morra. Por vezes adormece, por vezes é quase como se não estivesse lá, mas por vezes é tão forte que nem consigo respirar. Penso muito nele, muitas vezes, em muitas situações. Não só quando penso no meu futuro e imagino todos aqueles acontecimentos na minha vida que ele já não pôde nem vai poder testemunhar: se um dia me casar, ele não vai estar lá. No dia em que apresentei a minha primeira comunicação, na Faculdade, ele não esteve lá sentado na plateia ao lado da minha avó. Se um dia tiver um filho, não vou poder pôr-lhe no colo o bisneto que terá o seu nome. Não pude mostrar-lhe as fotografias do dia em que comemorei o final do meu curso. Ele nunca visitou a minha casa. Também sinto a falta dele no dia-a-dia, nos fins de semana em que vou a casa dos meus pais, quando percorro os álbuns de fotografias, quando sinto na rua o cheiro do after-shave dele... Enfim, sempre. É uma dor que nunca acaba, simplesmente aprendemos a viver com ela, uns dias melhor, outros dias com muita dificuldade. Doem os beijos e os abraços que não lhe dei, as histórias que não o ouvi contar, a falta do assobio dele, a voz dele a dizer aquelas coisas de todos os dias, e dói o medo de me esquecer dessas coisas, como sei que um dia hão-de esquecer todas essas memórias de mim.
Perdi também a minha avó paterna e a minha tia, irmã mais nova do meu pai, a primeira devido a problemas de saúde associados à idade, e a segunda num acidente de viação. E senti bem fundo a angústia do fim, de um dia poder ser a última "testemunha" de tantas vidas que tanta gente ainda por nascer já não irá conhecer, de eu própria ser um dia pouco mais que uma vaga memória ou uma fotografia amarelecida no fundo de uma gaveta. Daqui a cem anos, este sítio onde estou sentada neste momento, a escrever estas palavras, poderá não ser senão ruínas ou pó. E ninguém saberá, nessa altura, que esteve aqui alguém a pôr memórias em palavras e a pensar no seu próprio fim. O que fica de nós, depois de morrermos?
Por outro lado, e porque nem só de perdas foi esta fase feita, este período tem o seu início precisamente no momento em que iniciei a relação pessoa com quem hoje partilho a vida. Passaram cinco anos no dia 22 de Julho. E têm sido anos de uma aprendizagem permanente e de uma partilha incessante. Sou hoje uma pessoa muito diferente daquela que era há cinco anos atrás, e se essa mudança me tem sido favorável, isso deve-se à amizade, ao companheirismo e ao amor que me têm sido dedicados. Ao fim deste tempo todo, e de todos os obstáculos que tivemos que ir ultrapassando, continua a ser a pessoa que melhor me conhece, mais me compreende e mais me critica, mas sempre de forma construtiva. É um companheiro a todos os níveis (excepto como par de dança, mas tem de haver sempre algum handicap...) e é das pessoas mais interessantes que alguma vez conheci: o assunto de conversa nunca se esgota, e não é raro fazer-me rir até às lágrimas. Completaram-se no dia 20 de Setembro quatro anos de partilha quotidiana. Construímos uma casa; não com tijolos e cimento, antes com hábitos, velhos e novos, gostos (in)comuns, muitas conversas, muitos silêncios, muitas gargalhadas. A Luna!
Ninguém nos explica como vai ser partilhar a vida e a casa com alguém, principalmente quando um laço afectivo nos une a esse alguém. Desejam-nos felicidades e boa sorte, mas não nos dizem como vai ser difícil. Para mim, que tinha saído de uma casa onde, basicamente, não fazia a ponta de um corno, ver-me de repente a braços com uma casa que era minha, sob a minha exclusiva responsabilidade, foi, em alguns momentos, um choque. Também ninguém nos explica como, por vezes, e apesar de poder ser difícil viver connosco mesmos/as, viver com outra pessoa é bastante mais complicado. E quando estamos a aprender a fazer as duas coisas, ao mesmo tempo, mais difícil ainda... Nunca deixa de ser um desafio, parece-me. Se deixar, é porque morreu. Mas acaba por dar mais gozo do que dores de cabeça. E, se assim for, é porque vale a pena. No meu caso, valeu, tem valido, continua a valer. É uma descoberta constante, de mim própria e da outra pessoa, de todos aqueles Outros que somos interiormente. Como diz o Luís Fernando Veríssimo na crónica "Do Lado de Lá" desta semana, na revista "Actual" do jornal "Expresso":
«Dois nunca são só dois, são dezassete de cada lado. E quando você pensa que conhece todos, aparece o décimo oitavo. (...) Tenho outros por dentro que nem eu entendo, minha teoria é que a gente nasce com várias possibilidades e quando uma predomina as outras ficam lá dentro, como alternativas descartadas (...). Viver juntos é ir descobrindo o que cada um tem por dentro, os dezassete outros de cada um, e aprendendo a viver com eles. A gente se adapta. Um dos meus dezassete pode não combinar com um dos dezassete dela, então a gente cuida para eles nunca se encontrarem»
Amar dá trabalho! Viver dá trabalho. Mas, ao fim de cinco anos, continua a valer (muito) a pena.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Destino: Espanha (O vídeo)

Eis o último capítulo do romance "Destino: Espanha", o vídeo que eu e o Paulo fizemos do nosso fim-de-semana no estrangeiro :P
Espero que gostem; e tem banda sonora!

http://video.google.com/videoplay?docid=-4942685178273552066&hl=en

domingo, 19 de agosto de 2007

Destino: Espanha (a viagem de regresso)

Saímos de Santander às 10:30h do dia 12 de Agosto. O destino era Braga, com desvio até ao País Basco, para visitar Vitoria-Gasteiz, Cidade Educadora que uma série de coincidências pareciam querer colocar no nosso caminho, a começar pela (relativa) proximidade em relação a Santander. No entanto, o tempo parecia não querer ajudar, e temendo que o destino se apresentasse chuvoso (note to self: levar chapéu de chuva na próxima viagem, independentemente do destino e da altura do ano), decidimos que a visita teria de ficar para outra ocasião. Há que salientar, também, que, segundo as indicações do Via Michelin, este pequeno desvio representaria mais 168 km e quase mais três horas de viagem (estranha proporção...), o que, convenhamos, foi também bastante persuasivo...
De maneira que decidimos atalhar caminho e seguir para sul, em direcção a Palencia (província de Castilla y León), e, a partir daí, seguir practicamente em linha recta até à fronteira, em Vila Verde da Raia, perto de Chaves.
A saída da Cantabria pelo sul é, de facto, lindíssima, uma vez que nos permite atravessar a Cordillera Cantábrica, pertencente ao Parque Nacional dos Picos da Europa. A natureza circundante praticamente intocada, muita vida selvagem bem à vista (nomeadamente aves de rapina), muita gente de bicicleta, uma viagem muito agradável. Seguimos pela N-611, com entradas e saídas da A-67, ainda em acabamentos.
Depois, mais ou menos a partir de Aguilar de Campoo, uma mudança de paisagem dramática: entráramos na Meseta Ibérica. Quilómetros e quilómetros de planície contínua, a estrada a rebrilhar sob o sol do meio-dia, campos de girassóis a perder de vista. E laranja, muito laranja, nos campos, nas paredes das casas dos pequenos vilarejos (fantasmas) aqui e ali; "é Verão", parecia querer dizer. Chegámos a Palencia cerca das 14:00h; uma cidade perfeitamente normal, pouca gente na rua, poucos restaurantes abertos, e por isso a opção para o almoço foi pizza.


Cerca de uma hora depois, estávamos de regresso à estrada (desta feita, a N-610), e à Meseta. Perto de Villanueva del Campo, pela primeira vez em muitos, muitos quilómetros, avistámos finalmente uma matrícula portuguesa, e foi um acontecimento tal que o sujeito, depois de nos ultrapassar, nos acenou pelo retrovisor...! Uma vez que tínhamos ganho algum tempo de viagem por termos preterido a visita a Vitoria-Gasteiz, decidimos fazer um pequeno desvio até ao Lago de Sanabria, que fica situado no meio de montanhas e a cerca de 1000 metros de altitude, estendendo-se ao longo de 3,2 km de comprimento por 1,5 km de largura. O Lago e a sua envolvente, graças à acção da sua população (a quem é dedicada uma placa em bronze junto à estrada que circunda o Lago), foram declarados Parque Natural em 1978, numa zona onde convergem as fronteiras da Galiza, de Portugal e da província de Castilla y León. Como o tempo já não era muito, optámos por não prolongar muito a paragem, embora o guia que levássemos aconselhasse uma visita à Puebla de Sanabria, que, pelas imagens inclusas, de facto se justicava.


Deixando para trás o Lago, a viagem até à fronteira, que cruzámos em Vila Verde da Raia (onde encontrámos um posto fronteiriço, embora já encerrado), decorreu sem precalços. O Via Michelin indicáva-nos a viagem até Braga através da auto-estrada, mas decidimos que, se tinhamos sobrevivido à Meseta, também sobreviveríamos à Nacional até Braga. Escusado será dizer que não há comparação possível e foi, em certos momentos, uma dura prova, aguentar tanta curva e contra-curva depois de uma viagem tão longa, mas lá se fez.
Uma óptima viagem, que decorreu comme il faut, e da qual só trazemos boas recordações, e muitas fotografias. Para o ano, Santander emerge como destino obrigatório, embora desta feita desejemos fazer a viagem até lá pelo sul, visitando Barcelona e, finalmente, Vitoria-Gasteiz.
Amanhã partimos para o Algarve, mais precisamente para Monte Gordo, para uma semana em família, da qual espero trazer mais algumas fotos, relatos e uma corzinha mais interessante :)
Beijos




(O conta-quilómetros, à chegada a Braga, marcando 437 km, aos quais se somam outros mil, percorridos durante este fim-de-semana em Espanha.)

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Destino: Espanha

Saímos de Braga às 07:00h do dia 10 de Agosto, com destino marcado: Santander. Uma vez que este ano as férias foram forçosamente mais curtas, atendendo ao facto de nos termos envolvido num trabalho que se prolongou até ao início do mês de Agosto (para lá do dia dos meus anos, que, normalmente - ou seja, em 23 anos de vida - me encontra já em pleno período de descanso), decidimos embarcar numa aventura, que resultou de uma série de coincidências agradáveis. O Paulo dizia que gostava muito de fazer uma viagem grande comigo; eu gostava muito de regressar a Santiago de Compostela (onde tinha estado pela última vez há cerca de 8 anos), onde ele nunca tinha estado; durante este último ano lectivo, tivemos a sorte de conhecer um amigo alemão e uma amiga espanhola que o destino quis juntar, e que as circunstâncias colocaram em Santander (terra natal dela) durante o mês de Agosto. Bem vistas as coisas, decidimos que era altura de nos fazermos à estrada, para desenferrujar o Peugeot 504 de 30 anos que tinha passado o último ano e meio a fazer um lifting profundo.


Seguimos em direcção a Espanha, cruzando a fronteira em Valença. Optámos por tornar a viagem o mais económica possível, uma vez que sabíamos de antemão que teríamos de suportar custos de alimentação e combustível ao longo de toda a viagem, e alojamento em Santander. Apesar de termos feito a maior parte do percurso até ao destino por auto-estrada, tivemos a sorte de utilizar sempre auto-estradas sem portagem, sendo de salientar o excelente estado de conservação das vias (mesmo no caso das estradas nacionais) e da envolvente das estradas, minimamente beliscadas pela franca afluência de trânsito em algumas zonas.
Depois de algumas complicações menores com saídas e entradas de algumas cidades, mas sem precalços de maior, chegámos a Santiago de Compostela cerca das 12:00h (hora espanhola). Tal como me lembrava, há oito anos atrás. Muita gente, muita vida, muita(s) História(s). Uma cidade onde o tempo parou num momento mágico, e que nos convida a parar e apreciar, simplesmente. Almoçámos por lá; embora eu fosse com a ideia dos calamares e o Paulo das tortillas, acabámos a comer bife com batatas fritas e a pagar 1,20 euros por café. Enfim, é Santiago, valha-nos isso...




Depois das 15:00h, a N-550 foi a nossa melhor amiga, até chegar à costa norte e sentir o vento potente do Mar Cantábrico. É Atlântico Norte, não há dúvida. Estávamos em Ribadeo e parámos para abastecer; já tinha saudades de ver a bomba a marcar mais litros do que euros...! Depois, foi só desfrutar a paisagem até ao destino: do lado esquerdo, o mar em baías, cabos, portos e enseadas; do lado direito, o Parque Nacional dos Picos da Europa a dar os primeiros ares da sua graça. Há que referir o sucesso que o carro foi fazendo ao longo da viagem, principalmente quando as matrículas portuguesas passaram a ser uma miragem (mais ou menos a partir da entrada nas Astúrias), havendo até quem se virasse para trás depois de ultrapassar, para apreciar bem o espécime.


Chegámos a Santander cerca das 21:30h, e parámos ao lado do estádio do Racing. A entrada da cidade, plena de prédios de habitação, levou-nos a temer que a expectativa se cumprisse: não conhecíamos absolutamente nada de Santander, nem sequer sabíamos que ficava mesmo na costa, em alguns momentos julgámos que iria ser uma desilusão, quando finalmente chegássemos ao fim da longa viagem. No entanto, depois do túnel, veio a revelação: é uma cidade costeira, em todo o seu esplendor. Praia, passeios marítimos, parques, uma longa e movimentada marginal, muita (muita!) gente. Conseguimos alugar um quarto com quarto de banho por 36 euros por noite, o que foi uma sorte sem tamanho, uma vez que rapidamente chegámos à conclusão que a desconhecida Santander é realmente um verdadeiro destino turístico, e logo no dia seguinte verificámos que muitos hóteis afixavam já cartazes de "esgotado".
Decidimos falar sempre em Português, e safámo-nos. Quisemo-nos poupar, e aos espanhóis e às espanholas, de constrangimentos que sempre resultam da presunção de se saber falar num idioma tão (ou tão pouco) parecido com o Português. Apenas claudicámos nos agradecimentos, que saíram sempre em forma de "muchas gracias", mas a amabilidade retribui-se com amabilidade. Parecendo que não, é mais bonito dar graças do que ser "obrigado/a".
Gostámos muito, e pretendemos voltar. Porque "uma imagem vale mais que mil palavras", aqui fica Santander "em fatias" de luz e de cor, e a promessa do relato da viagem de regresso no próximo post.
Boas férias!







sexta-feira, 27 de julho de 2007

Ah, então é por isso...!

«Uma situação tão extrema [uma taxa de fertilidade de 1,36 nascimentos por mulher] não pode advir de acaso, acidente ou tendência de fundo. Ela nasce de uma estratégia sistemática e continuada.
Ao longo das últimas décadas temos vindo a assistir à propagação de uma ideologia e cultura hedonista e laxista, violentamente contra o casamento, a natalidade e a família.
Das leis às telenovelas, do chamado "Ministério da Educação" à publicidade e aos discursos, tudo veicula uma cultura considerada "moderna, tolerante e progressiva", que se manifesta na promoção do aborto e da promiscuidade, na facilitação do divórcio, adultério e homossexualidade. Os resultados estão à vista: os portugueses são uma raça em vias de extinção.»
João César das Neves, Economista e Professor Universitário (naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt), in Destak, 25/07/2007


Depois de uma pérola destas, não há nada que eu possa acrescentar que não estrague a qualidade da lição apresentada pelo Professor João César das Neves, ainda por cima benemeritamente veiculada por um jornal de distribuição gratuita.
No entanto, eu gostaria só de dizer, e assumindo a minha (pese embora licenciada) insignificância intelectual perante o portentoso orador, que faltou referir a raiz de todo este mal, o cancro que, realmente, está a conduzir os portugueses ao abismo da existência: a entrada da mulher no mercado de trabalho.
Porque, quer dizer, tudo bem, os abortos e os paneleiros e tal, mas nada disto existiria se as mulheres não tivessem saído de casa, porque toda a gente sabe que boas mães não criam filhos homossexuais! Promiscuidade e adultério? Mulher que se preze nem sabe pronunciar correctamente tais palavras; abre as pernas, fecha os olhos, respira fundo e pensa que é pelo bem da Nação!
Meus amigos e minhas amigas, salvemos os portugueses da extinção! Sejamos verdadeiramente modernos, tolerantes e progressivos (sem aspas!)! Este país precisa de alguém que lhe aponte o caminho da salvação, e o meu voto vai para o Professor João César das Neves... E vocês? Querem ser responsáveis pela morte lenta de Portugal?
F*dam pelas vossas vidas! Mas só depois de casar...

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Já fiz

Pronto, já sou Licenciada :)
Até quando é que vale respondermos "estudante" quando nos perguntam a profissão?

quarta-feira, 18 de julho de 2007

As Boas

Uma família na qual não nasci, mas que adoptei e me adoptou, em toda a acepção da palavra.

Beijos para todas :)


terça-feira, 17 de julho de 2007

Está quase

Até ao fim desta semana, poderei considerar-me Licenciada em Ciências da Educação. O parto foi difícil, mas, ao fim de uma semana de reclusão, entreguei ontem o relatório de estágio.
Eu sou assim, neste aspecto julgo-me tipicamente portuguesa: tenho uma espécie de relógio interno que me diz "Se não começares o trabalho neste exacto momento, não vais ter tempo de o fazer". As melhorias foram imensas, ao longo destes cinco anos, mas sou daquelas que deixa tudo para a última da hora. Do estilo, passar o dia inteiro sentada ao computador ou à secretária a ler (sim, porque também se tem aplicado ao estudo para os exames), deitar-me às duas da madrugada e ter de me levantar às seis da manhã, para conseguir entregar no prazo. Desta vez, talvez por ser a última, fui suficientemente disciplinada para começar uma semana antes do final do prazo. Já não é mau, tendo em conta que já escrevi um trabalho de 50 páginas practicamente de um dia para o outro.
Não me dei mal, confesso. Nunca falhei um prazo de entrega, nunca deixei nenhum exame para segunda chamada. Em cinco anos de curso, não fiz nenhuma cadeira com menos de 13 (e foi só uma), nunca deixei uma cadeira para trás, fiz duas melhorias (na primeira, passei de 10 para 17, e na segunda de 13 para 14; era esse o meu objectivo, tirar pelo menos um 14).
Começo a entrar na fase do "e tudo isto, para quê?", mas ainda não me deixei apoderar pela angústia. Se mais nada houver, há-de sempre haver por aí algum balcão da Zara, ou alguma caixa do Pingo Doce. Parada é que não.
Está quase.

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Pringles Jamón

São estupidamente salgadas... A ponto de me rebentarem os lábios e me provocarem um esgar de "Aaaarghhh... azeeeeeedo" cada vez que trinco uma.
São o cúmulo da gordura, o que é especialmente grave quando se está a comê-las ao computador, mais ainda quando já passámos de meio do pacote e temos que lá enfiar o punho para sacar alguma.
E no entanto... em cinco minutos, Deus guarde as Pringles, paz à alma delas, for they have ceased to exist. Castiguei 170 gramas de "Producto de Aperitivo Frito con sabor a Jamón" enquanto o Diabo esfrega um olho.
Rai's parta a m*rda da gulodice!...



(Porque a vida também é feita destes pequenos nadas, que são, afinal, o que lhe dá côr... :) )

terça-feira, 26 de junho de 2007

Sobre a música

"Quando a música nos comove até às lágrimas aparentemente sem motivo, não choramos por um excesso de prazer, mas por um excesso daquela tristeza impaciente e perpétua de, como meros mortais, ainda não estarmos preparados para nos banquetearmos com os êxtases sobrenaturais dos quais a música nos oferece apenas um vislumbre sugestivo e indefinido."
=Edgar Allan Poe=

Gosto de música. Não imagino a minha vida sem ela. Gosto de todo o tipo de música, desde que seja boa. Desde que faça sentido. Às vezes ouço uma música, da qual acho, à partida, que não vou gostar, por ser deste ou daquele "género musical", e passado alguns segundos, lá estou eu a bater o pé ao ritmo. Posso até não gostar, mas há qualquer coisa numa boa música, numa boa voz e numa boa batida que ultrapassa qualquer estereótipo. Chama-se "feeling".

É como a água: não tem cheiro, nem cor, nem sabor. Não se lhe pode tocar, nem medi-lo. Apenas senti-lo. Para mim, é como se aquela música "fizesse sentido", é o que costumo dizer. Não sei explicar. Só sei sentir. É a diferença entre se arrepiar a pele da nuca e os olhos se encherem de água, ou todos os músculos do corpo se contrairem na expectativa do "descarrilamento". O que, quando se houve uma banda ao vivo, é ainda mais evidente: é preciso conhecer muito bem uma música, "senti-la", para o/a músico/a se poder libertar e, verdadeiramente, interpretá-la. Não se trata apenas de saber as notinhas todas, e tocá-las todas muito direitinhas, em filinha atrás umas das outras. Isso, para mim, não é música; é som. A música é imprevisibilidade, é emoção, é improviso. É saber aproveitar aquela nota falhada para construir toda uma nova lógica harmónica. Isso é talento.

Nem toda a gente tem. É um facto. Quando era pequena, a minha irmã recebeu, num aniversário, um orgão, daqueles Casio, de boa qualidade. Ela não lhe ligava muito, e eu entretinha-me a tirar músicas de ouvido. Ouvia uma música e procurava reproduzi-la no orgão, tentando-falhando-tentando notas. Toda a gente dizia que eu tinha bom ouvido, mas, na realidade, aquilo eram só notas, umas a seguir às outras, sem fio condutor. Se quisermos, é a técnica, sem o "feeling". Isso não é música; é som.

Um/a bom/boa músico/a tem a capacidade de nos "transportar" para uma outra dimensão de entendimento. É como se, por breves minutos, o nosso cérebro se pudesse desligar das coisas terrenas e viajar, ao som daquela melodia. É como se, mesmo que não se saiba dançar (e o que é isto de "saber dançar"?), o corpo intuí-se imediatamente os movimentos mais harmoniosos, mais genuínos. É como se, naquele espaço-tempo, todo o Universo estivesse em sintonia, e aquele instrumento (ou aquela voz) pudesse ser o veículo privilegiado de acesso a esse concílio sobrenatural.

E isso não está ao alcance de qualquer pessoa. Por muita perfeição com que se saiba tocar um instrumento, ou por muito afinada que seja uma voz, é preciso algo mais. É preciso entrega, é preciso submeter-se aos desígnios da própria música, e, assim, é preciso humildade. Por isso é que este mundo está cheio de vedetas, é pena é haver tão poucos/as artistas.